domingo, 11 de novembro de 2007

Iluminura

Ismael Teixeira

A verdadeira filosofia não está nos livros
Nem a poesia nos parnasos
Mas sim no susto e no abraço
Com o desconhecido
Entre o mistério e o perigo
Resumindo a vida no absurdo
Coube-me vive-la demasiadamente
Sabendo que a sua maior aventura
É caminhar com dignidade

E o povo será povo

A chuva de signos perpetrada pelo capitalismo é o principal mecanismo de alienação de uma sociedade. As experiências da propaganda, amadurecidas na história com as religiões, principalmente a católica, ganhou status com a difusão dos meios de comunicação e passou a servir a ideologia do capital, de forma cada vez mais exagerada, durante todo o século XX. Os meios de comunicação, que dantes, poderiam proporcionar a democratização do conhecimento e, portanto, ampliar a cidadania para todo o corpo social, como aconteceu inicialmente com o uso da imprensa de Gutenberg na Reforma multiplicando o número de bíblias, se voltou para finalidades autoritárias. Os detentores dos meios de produção transformaram o conhecimento e a informação uma mercadoria de uso restrito e hierarquizado como nos primórdios. O alto poder tecnológico que poderia ampliar a proporções grandiosas a polis, e com isso, criar um super-cidadão, capaz de interferir fora do tempo e espaço comum em todo o debate social, foi reduzido ao primitivismo dos grandes currais virtuais. A estratégia do capitalismo é constituir o cidadão aquele capaz de consumir informações e excedentes, criando uma realidade hiperbolizada de signos e representações fantásticas na qual ele acessa cada vez que consome. Essa fantasia, exagerada pela mídia, é uma forma de prêmio pelo qual se justifica toda a decadência da qual esse cidadão vive e, por ser totalizante e imprescindível à sua cidadania, fenômenos como a violência, a corrupção, o meio ambiente, as desigualdades ficam renegadas ao Estado ausente e displicente. Negando a cultura dos intelectuais que num jogo teórico e complexo executam seus argumentos sem conclusões práticas e otimistas, com tranqüilidade fico do lado de Sócrates Santana quando afirma que os movimentos sociais são os principais protagonistas da sociedade hoje capazes de realizarem de fato transformações sociais plausíveis. Só no que tange a discussão levantada nesse texto, os movimentos sociais são capazes de criar uma outra lógica ao modelo de difusão ideológica capitalista. Essa negação é muito mais complexa que aparenta, e não se limita apenas em formações de ideologias independentes. Essas organizações ao negarem o modelo as céptico burguês calcado de valores e doutrinas minuciosamente resignificadas para a dominação procuram outra lógica e a encontram justamente na realidade em si mesma. Ou seja, começa-se a perceber uma nova realidade que é a velha e que sempre existiu, embora estivesse violada pela fantasia do capital. Essa realidade, ao mesmo tempo bruta e com significações locais, começam a ser identificadas e apreendidas. Assim, a velha identidade torna-se nova, resignificada por uma compreenção mais consciente e fiel a sua criação. A dialética escamoteada pela “paz” de um mundo sem contradições e desigualdades capitalistas aparece mais claramente. O povo reconhecido em si mesmo compreende a sua força e o seu poder por entender e dominar sua cultura, seus meios de produção de identidade e significação, fazendo com que o inglês vire espanhol, que a europa vire américa latina, que o carnaval vire samba de roda, que o povo seja povo.

sábado, 10 de novembro de 2007

Vôo molhado

Ismael Teixeira

À tarde pássaro
Beleza alegre a se pôr no ninho
Depois de um vôo tranqüilo
No alto dos teus olhos
Desço entre nuvens
Murmurando o peito macio em queda livre
Você somente céu me espera
Com uma boca risonha vermelha
Ascendendo estrelas
A hora certa
Rima seios vales rios
Tua natureza acalmar meus passos
E como se a cada palmo empurrasse um lírio
A tua pele-terra me oferece um laço
Então... Em ti
Descamo as penas que soltas perdem-se ao vento
No desbotamento lento da paisagem
E vão-se os troncos ramificando em teu ventre
Que puxa para dentro cada umidade
Até que jovem árvore eu vire um segredo
E me una ao silêncio de todas que um dia te amaram.

domingo, 28 de outubro de 2007

A primeira cena 2

Soul Sócrates

O olhar transbordou a primeira cena. Não era verdade. Não era real. Nem mentira. Tão pouco, fantasia. O que se via era a abertura. Sem cortinas. A apresentação do que viria a ser. E ali estava. Virava para um lado. Mexia as mãos. Era o que se via. Era o que viria. Era o que iria. Restava o que estava dentro do quadrado. A primeira expectativa mágica evaporou. Os cortes se foram com as cortinas e as cercas. Não seriam cortes. Não seriam cortinas. Não seriam cercas. Era o quadrado. Bastava. Os gestos demoraram a dizer. Não era mudo. Nem cinema novo. Tão pouco documentário. Sem prosa. Restava o olhar que pouco a pouco ia se abrindo. Rompendo cercas, cortinas e cortes. Uma insistente permanência do olhar. Que transbordava. E aos poucos os cacos se juntavam. O quadrado revelava a troca dos olhares entre a câmera, o olhar por de trás dela, mas que também estava à frente, no lado, e que aos poucos se viam juntos. Todos abertos e a contemplar o momento. Portanto, não era a imagem. Não era o diálogo. Era o momento compartilhado. O ato de compartilhar. A terra. A luta. A tela.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

A primeira cena

Soul Sócrates

As lágrimas caiam. Olhava pra mim. A cabeça baixa. Parecia distante. Mas olhava pra mim. Aguardei um movimento. Esperava. Tentei suportar. Consegui. Ele também insistiu. E olhava. Uma eternidade. Sem diálogo. Permaneceu sentado e olhava. E aos poucos percebia. Ele mostrava sua alma. E o que era angústia virou sintonia. Ele ali sentado. Não estava parado. Parecia. Mas não estava. Ele olhava. Trazia as pessoas para dentro de si. Um convite para um vasto mundo. E o quadrado revelava palavras e pedras. Eram caminhos. O quadrado ultrapassava o limite da imagem. Era a intimidade. Os traços dele viraram signos. Uma revolução interior. Ele atraia o quadrado e o que era abismo. O olhar transbordou. A primeira cena.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Coração de leão.

Ismael Teixeira.

Patas acariciavam a presa. Lambia seu rosto no escuro selvagem. Pequenos grunidos jaziam ímpios. Sussurros. No fim um absurdo para desligar a cidade. Andava tesa. Seu corpo se movia. Andar sábio. Monótono dos felinos. Não tinha pressa. Seu olhar tudo via. Olhar de tigresa. Esperta. Olhar de onça fria. Com um só pulo entrou no carro. Não olhou para trás. Antes o lambeu carinhosamente. Olhou para seus olhos que pediam secos um segundo a mais. Sorriu. Por fim mordeu seu pescoço. Disse adeus. Sumiu. Ele era só. Ele. Ficou eternamente ali com o gosto do beijo. Com olhos fechados a viu sumir. Boca salgada. Sabores alísios de convés. Acostumada a cruzar atlânticos em navios cargueiros. Matar a solidão do mar com livros e conversas de marujos filipinos. Seus sonhos estavam já além dos sonhos. Dos destinos. Olhos. Olhos tranqüilos. De desafiar a monotonia do oceano. Mundos. Selvas. Caminhos. Tudo cabia dentro dela. Fora. Peitos. E Pernas. Sexo. Um ilustre retrato de gato. Pose de fera. Ele. Filhote. Pequeno feroz. Escondido na toca. Protegido pelas garras. Mamava em baixo dela. Dormia entre os braços fortes. Focinho manchado. Ela. Olhos. Olhos de águas. Gotas grossas. Azuis. Longos e distantes. Olhos de mãe de felinos. Contemplava-os o menino enrugado. Cansado de nadar em seus labirintos. Doce. Ficou salgado. Ali. Como uma ilha contemplando um navio que passa. Atravessou a rua olhando pro nada. Andou. Parado. Assustado e faminto como uma presa que não escapou do abraço. Perfume de pêlos. Juba. Desejos. Língua. Carne. Sangue. Hálito. Gosto quente na boca. Banquete vermelho. Salgado.

*Dedicado a Leoni Josephine - in memorian.

O amor não seria

Soul Sócrates

Se os opostos se fossem e fossem embora
Teríamos menos, teríamos poucos amores
Lares seriam pares de botas e meias vazias
Bares teriam ares de bêbados e seus copos vazios
Sem acasalamentos, casas ou casamentos
Não seríamos postos por lado de fora
Sequer dormiríamos no sofá
Só seríamos
E o amor não seria

Janela fluida

Raiça Bomfim
Quando o azul celestino
vinha à beira da aragem
e o verde alaranjava
na paisagem,

os lençóis faziam ninho
pra seu corpo desvelado.

Cortinas desabotoavam-se
penetradas pelos raios
derradeiros.

Espelhada no ocaso,
ela entregava-se ao sono,

enquanto pássaros e insetos,
ajanelando-se no bálsamo,
celebravam, em cantoria,
a plenitude dos orvalhos.

domingo, 14 de outubro de 2007

Corroendo a esperança

Soul Sócrates
Arrastei a carroça até a cancela. Não havia boi nem mula. O boi desfaleceu entre a pedra e o caminho. A mula empacou e pediu alforria. Restou meu couro negro, livre, mas surrado. Amarrei as cordas nos braços e puxei. Ao chegar olhei a enxada, o trabalho e o sol. Difícil. Sem água, animais, mulher e filhos - seria custoso remoer aquele barro inteiro. Não desanimei. Escorri o suor das ventas e coloquei o chapéu no lugar. Desembestei em golpes contra o chão. Batia. Batia. Batia com vontade. A terra não iria vencer. Uma nuvem resolveu aparecer. O ar da graça resultou em golpes mais fortes e ligeiros. Acelerei. Aproveitei cada segundo de preguiça da nuvem e reticência do sol. O chão foi cedendo e o cansaço resistindo. Um respingo assim de água brotava. Água. Louvado seja. O sorriso foi se abrindo, os dentes sobrando e o olhar penetrando a terra e a água. Finalmente, juntas.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O poeta e a moça

Ismael Teixeira

As ruas guardam as melhores cenas. A arte mendiga o cotidiano. O sonho esgueira-se no real. A tarde fria esquenta quando uma moça bem vestida passa. Discreta e bonita vai deixando a rua nua. Segura livros e revistas. Guarda a beleza nos óculos escuros. Ao dobrar a esquina um jovem boêmio pinta com seu violão pessoas apressadas. Algumas ficavam vermelhas, outras amarelas, muitas somente caladas. A beleza da mulher caminhou até o poeta. Sem diminuir o passo deixou cair alguns versos num chapéu amaçado. Para quem passava de longe os versos pareciam luzes de uma pena. Mas os que passavam de longe não souberam onde estava a incerteza. O poeta viria a beleza surgindo. Saberia quando e como nasce um encanto. Mas misteriosamente não deixou de interromper sua canção. Nem mesmo olhou para o chapéu. Os passos se confundiram com outros passos e a beleza se confundiu ao por-do-sol do litoral. Não notei mais o poeta. O som grave da noite. Seu silêncio em mi maior daquela tarde fria abrira o vagão do dia. Tudo retornava ao seu lugar. Para onde foi a moça? E o poeta? No dia seguinte tentei recuperar a cena. Não havia poeta, mulher nem beleza. Aquela poesia havia ido e ao meu lado apenas novas poesias. Voltei para casa com o coração partido, como se as peças não concordassem comigo. Em casa distraído imaginei como tudo teria desenrolado. No sonhar do acontecido. Ao chegar em casa a moça entre os livros teria versos alísios para tomar com brioches e chá. O poeta dois reais e vinte centavos para escrever poesias novas esquentando o café que esfriava o mate. Chá.

Soní-fero

Ismael Teixeira

coração vermelho
em pé na madrugada
vasculha sonâmbulo
pêlos becos a calma
andarilha nos fios
sobrevoa calçadas
saboreiam livros sabores
de areia
coração em pé
estômago sem veias
põe-sias saídas
nas janelas alheias
coração insone
sonho de fera
entre grades cidades
faminto de guerra
uiva declama rasga
entre as patas
a lona imunda da noite impossível
im sonho po sonífero ssível fera

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Pequeno Tratado sobre a genialidade

Ismael Teixeira

A única diferença entre os homens são suas escolhas. A parede que separa o idiota e o gênio é a ambição. Nada mais. Poeta são todos. Mesmo que poucos saibam. Fernando Pessoa já aconselhara a humanidade que somos do tamanho que vemos. E é justamente na visão o tamanho do problema. Heráclito incita que o saber recusa-se a nós, os falantes, para nos instituir como diferentes. Enquanto o sábio enfrenta o mundo em busca de seu alimento, os imbecis sonham que mamam. Ser gênio é matar a si mesmo. O chamado século das luzes nada mais foi que contradições. Insatisfação de uma condição criada e o esforço de superá-la. Esforço. Palavra mágica por desmistificar a mágica. O imbecil, para Heráclito, é aquele que vive excitado por sonhos, visões, contos, cantos e falas. O gênio simplesmente aceita a guerra e mata. Ao contrário do mito do Super-homem, do ser que salva o indefeso quando está em perigo, construção levianamente forjada para manter os seres na fase oral, fase infantil de subserviência e dominação, não existe homens maiores ou menores. Sócrates viveu o tormento de duvidar de si mesmo. Coragem. Jesus sofreu humilhações por amar como ninguém amou. Coragem. Gandhi se recusou de ser dominado e dominar e aceitou viver simples como uma pena no mundo. Coragem. Enfim. A superação de si mesmo, o sacrifício de negar a condição imposta do mundo nada mais é que a genialidade. É bem verdade que muitos gênios houveram sem a história dar uma linha. Muito mais que pensamos. Para finalizar. Novamente quero chamar atenção para a primeira frase do texto. A única diferença entre os homens são suas escolhas. Talvez com ela tire aqui a totalidade de todo meu esforço com as demais palavras e exemplos. Escolha é muito mais que optar, é saber como e porque se existe.

domingo, 23 de setembro de 2007

Cores dela.

Ismael Teixeira

Cheio de tinta. Molho o café. Mãos, penas, desejos. Anoto nos meus cabelos versos que andam em pé. Diariamente o instante perfeito. Som de pipoca doce no peito. A pular palavras. Palavras para sentir. Sentir brincadeiras mudas de nossas mãos de chuva. Sóis, flores, casinhas com nuvens passeiam em nosso jardim. No corpo que pintamos um do outro. Fingindo morar dentro de mim. O mundo é belo quando é belo. E belos cantamos. Suamos tinta nos lençóis. Transformando cama em quadros. E quadros em sonhos. Nos teus seios bocas soltas. Sobremesas de amoras. Roxas. Sobre o branco morango. Sobre o vermelho intenso das tuas coxas meus dedos castanhos. Esfumaçando a chaleira. Uvas em cada língua. Livres rosas intumescidas. Sem pressa de serem presas. Comidas. Amor derramando amor. Poço de aquarela. Rio de carmim. Quase de manhãzinha enxugamos as telas. Guardamos tudo em caixas e expomos por aí.

*Para ela.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Submarino

Ismael Teixeira

Sou um talho. Um corte. Sangro toda vez que me toco. A mão desafia a morte. O cano de vento frio contra os olhos. Hoje qualquer palavra mata. Basta. Os versos são ventanias. Mas ainda marcham esperanças em veleiros. A terra o mar e a seis maria. Marcham também sorrisos. Lanternas no escuro. Rutilam. Palmilho ruas de eletro-choques. Na cidade de páginas cansadas. Folhas mortas. Escrevo nesse caminho. Em cima dos livros desertos. Ando escrevo caminho. Como se falasse um só verbo. Hoje qualquer palavra mata. Basta. Mas a poesia continua acordada. O inverno é quando o tempo fala. Com a força de suas guelras. A chuva mantém acordados. Eu. Os livros. E o poeta. Todos os peixes. Todos os filhos dessa terra. De líquido bilioso. Assim Mensagens são mandadas em coágulos aquáticos. Transfusão frenética. Somos talhos. Cortes. Porque poesia é guerra. Inverno quente. De suar sangue. Guerra. Embalados pelo tempo nadamos por entre artérias.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Carta de um caixeiro viajante.

vivemos o que só nós vivemos. encontrando sábios de pés descalços. profetas em forma de crianças. santas que vivem nas cozinhas. que matam a fome do mundo. vivemos o que só nós vivemos. dormindo nos pastos. nos braços da estrada. e quando vejo aquele mundo inteiro passear pela janela acredito em mim, em você e em todos aqueles que sonham a realidade. sonham a realidade. sonho. realidade. combinação perfeita como diria o mestre cabacinha em seu transe de paz e justiça. vivemos o que só nós vivemos. acreditando no que acreditamos. todos. vermelhos. porque simplesmente amamos. porque simplesmente queremos. esse registro em forma de sentimento que escrevo no extremo de suas lágrimas naquele momento em que só nós vivemos, no último andar dos nossos corações. essa carta. somente nossa. é um simples obrigado. não somente por está ali comigo, mas por acreditar também naquilo. aquele chão. não é somente chão. aquela terra. não é somente terra. mas algo que talvez seja impossível ainda compreendermos. talvez nunca. mas quem sabe. como num milagre. como esses milagres que acontecem por aí. nasçamos, como por encanto, novamente, numa barraca de lona e sejamos realmente felizes. nasçamos com aquele gosto de café da índia Edite, ou do abraço da verdadeira educadora Tonha, da fé de Dona Liu, das aulas de Betão, da vida de todos eles, que num simples respirar daquele pó já olhamos diferente. sentimos diferente. termino com a frase de chê vinda de seus momentos sempre geniais: quando o extraordinário estiver no cotidiano mais comum aí se deu a revolução. revolução companheiro. agora e sempre.

Com carinho,

Ismael.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Dormindo


Soul Sócrates

Estava maravilhado com tudo e tudo de tudo que a cidade oferecia Estava encantado com os teatros, bibliotecas, museus, salas de cinema, edifícios e o movimento dos carros Estava deslumbrado com a rotina, o ritmo, as ruas, os rostos, as regálias e os retratos em preto e branco Estava dormindo e só percebi ao lhe ver sonhando com nada disso tudo

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Vazio

Ismael Teixeira


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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Basta

Ismael Teixeira

Olhando o sonho em pedaços. Vencido pelo desanimo, foi percebendo que as imagens iam sumindo, um torpor tomava seu corpo até que a escuridão silenciasse até seus pensamentos. Dormiu. Dormiu. Dormiu até não sobrar ninguém. E quando acordou, passeando pelas ruas desertas sentiu uma paz e uma alegria que jamais achou que poderia existir. Sorrindo, escreveu uma máxima num muro de uma padaria: "São apenas os loucos que escrevem a história".

terça-feira, 28 de agosto de 2007

O esforço basta então?

Soul Sócrates

João Pequeno estava enlameado pelo barro. Fez uma massa com apenas um saco de cimento, para cinco carrinhos de mão cheios de areia fina e três com arenoso. Com a pá misturou tudo e encharcou com água. Queria fazer um puxadinho na parte de cima de casa, que havia pouco tempo, ganhou uma laje festejada com muita cerveja e carne do sol. Não fez corrente de ferro nem nada. Só colocou um tijolo sobre outro, colados por uma massa mal arranjada. Foram três dias assim, parando apenas para tomar água e "colherar" algumas parcelas de feijão e arroz. João pequeno suou bastante. "Tudo pronto", disse ao filho que havia se casado faz pouco tempo. Ele poderia ficar na parte de cima da casa, onde ele havia feito o puxadinho. Numa noite de chuva, chuva forte, o cimento enlameado, os tijolos sem base e a falta de ferro fez falta. João Pequeno não iria esquecer nunca mais dos três dias que passou trabalhando arduamente

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A idade das águas

Ismael Teixeira

Interessante como caminha o mar dentro de nós. Suas correntezas; ora de dentro para fora, ora de fora para dentro. Em vazão constante derrama dos poros sal e água, e secamos. A vida seca terra, sol, a vida seca lentamente os homens, que no auge da sua idade-beleza são os verdadeiros jardineiros - sabem para onde vão as águas e vão junto com elas. O mar é a igreja de quem caminha só. Igreja de todos os deuses. O mar me fez poeta ainda moço quando percebi encarar o infinito não como desafio. Foi assim que na mais doce das idades caminhei nas águas como fazem os mestres dos mestres. E assim segui horizonte. Sem olhar para trás.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Bem Perto

Soul Sócrates

imagine
bem de perto
ver
bem de perto
a coloração branca contornando um espelho castanho
uma imagem
sou eu
estou me vendo
parece que penetro em seu pensamento
apenas vejo um ponto preto e um contorno castanho
bem de perto
posso ver o abrir
posso ver o fechar
bem de perto
bem colado
gosto de ficar assim
eles ficam grandes
parece que me consomem
vejo até mesmo os traços
aqueles traços que saem do pigmento negro
aqueles traços que contaminam o contorno castanho
aqueles traços que atravessam
isso atravessam
cortam as cores e se transformam em outras
meio claras até um momento
depois vermelhas
até me incomodam
existe uma aparência de sangue
bem perto
as lágrimas se ampliam
a angústia fica mais clara
um nervoso
bem perto
uma sensação de proximidade
não quero sair dali
estamos tão perto
como será que você ver?
será que você ver o marrom claro?
a pelicula escura?
os contornos circulares?
um em volta do outro?
ou será que você ver outra coisa?
o que te incomoda em ficar tão perto?
será que não vemos nada por causa da proximidade tão latente?
tão perto

E...

Soul Sócrates

Aqui. Olhem. Vejam. Estou em cada toque do teclado. Estou ali e aqui. Perto das palavras. Agindo através delas e a partir delas. Em um minuto sem trabalho. Apenas meias vontades. Vontade de não fazer nada. E assim escrevo, até que meu minuto acabe. Até que não reste mais nada além do espaço aberto dentro do tempo. Um tempo de um minuto ou quase. Estamos em 55 segundos. E...

Não há espaço

Ismael Teixeira


Diaspassamdedoisemdois.Doisemdois.Cinco.Maisoumenoscínicocomoqualquerpolítico.Osdiasconcretos.Apoesiaconcretadivideespaçocomossentimentos.Obstáculo.Caféparaossapatos.Nãohávagas.Nãohávagasparaospésdescalços.Paraarosanarua.Nãoháespaço.Nãoháespaçoparameusdiascontados.Minutosapertados.Segundoscolados.Nãoháespaço.Semteto.Semterra.Sempoesia.Nãoháespaço.Nãoháespaçoparaaalegria.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Eis o homem

Soul Sócrates

Somos herdeiros do caos. De um tempo em que as ruas tinham outros nomes. Passamos pelos lugares. Os lugares. Cheios de nós. Repletos deles. Nomes. Somos filhos do caos. Das mensagens. Dos sentidos. Dos significados. Das representações. Bebemos o caos. E esquecemos os nomes das ruas e das avenidas. Os desavisados. Sem correspondência. Endereço. Pra quê. Servem os relógios. E os ponteiros. Velocímetros. O que são. Estamos à beira do caos. Desvalidos que somos. Cadê o aviso prévio. Demissões. Andamos pela cidade. Citadinos que somos. Acreditamos no caos. Nas indicações e nas incertezas da vida. O que vem. O que vai. Olhamos pra frente. O tempo persiste. O espaço incide. Eis o homem.

domingo, 19 de agosto de 2007

Amor e amor

Ismael Teixeira


Chove Vermelho. Rimbaud na parede. Camisas de poesias uniformizam. Soldados na noite escrevem. Chove vermelho. Eu disse olhando a cidade. Ela fala que vê vermelho nas calçadas. Que escorre desejos. Saudades. Os carros deslizam de luzes apagadas. A luz apagada. As telas sem cinemas. Nada é real. Nós. Atravessamos vermelhos. Ultrapassamos sinais. Juntos como a cidade inteira. A boca. Ela é vermelha. Musa dos cabarés dança sem telhas. Sem paredes que fiquem no chão. Ao meu lado. Eu. Escritor. Ao meu lado a ditar os ritmos. Os ístimos de cada gole de sol. Ela perguntou se não o viu. O sol. Simplesmente disse a ela o que na verdade não sou. Ela sorriu. Apertou os olhos. Pensou o que pensou. Chove vermelho na noite. Pingos nos nossos olhos para se ver melhor. O amor que rola nas rosas. E escorre. Do céu. O amor em amor. Ela disse. E disse muito mais. Sobre os morangos que o carro tropeçava. Morangos grandes. Como corações exagerados. Entupiam as jantes para andarmos devagar. Continuei. Eu. Ou o escritor. Mas as palavras eram brasas e me queimavam devagar. Até não sobrar nenhuma. Mas ela não esfria. Continua. Amar sem parar de amar não pára. Não respeita o tempo. O outro que vislumbra o tempo. Como você. Depois da última frase sussurrou um verso. Verso que voltava a nós dois. Lembrar que chovia. E chovia para as carnes secas. O escritor já toalhas não tinha. Eu. Nem ela. Nem ninguém. A noite ficou ensopada de tinta. O carro naufragado em papel. Temporal de doce. Final molhado. Com um sorriso mergulhei do carro. O escritor beijou sua lágrima. Ela já sozinha. Pensou. Enfim. Eu gosto das coisas.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Profecia urbana

Tudo mal, mas tudo bem, o presente é quase sempre como todo mundo diz. Ficarei esperando na tevê o que falta acontecer. Tenho pedras nos sapatos. Atirarei quando for insuportável. O apocalipse virá e ninguém irá ter tempo para ver. Virá num grito surdo de qualquer mendigo ou numa bomba H. Nosso messias terá cheiro de gasolina e óleo diesel. Os anjos serão mulatos. Nordestinos. Os santos serão mulatos e voarão em plataformas dos prédios inacabados. Mulatos. Constroem cidades. Morros. Babel. Mas ninguém vê a torre. O cheiro de enxofre. Tudo errado, mas tudo bem, tudo quase sempre como sempre quis. Ficarei esperando na tevê o que falta acontecer. As ruas têm cheiro de gasolina e óleo diesel. Crianças passeiam com isqueiros de pés descalços. Não importa seus atos. A igreja. O shopping ainda está a salvo. Mas deu no rádio. Uma garota com overdose de café. Na tevê. Na tevê. Na tevê. Ninguém quer comer. A sorte tem um corte de desesperados. Paz enquanto os carros estiverem estacionados. Tudo mal, mas tudo bem, o presente é quase sempre como todo mundo diz. Vamos ver. Deus disse na revista que está contra todos. Vamos ver. Deu na revista. Deus estava com um vestido decotado. Meu cabelo também está penteado. Vamos ver. Os carros estão estacionados. Vamos ver. Os carros estão estacionados.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Bandido ou detetive?

Soul Sócrates

Não era bela, tão pouco feia. Uma pessoa comum. Entrou na livraria aparentando naturalidade. Havia sobre ela uma sensação de prazer que parecia nascer do próprio medo. Tinha a um tempo, a consciência do perigo que ia correr e a certeza de uma suposta superioridade: pensava que sabia de tudo e os que estavam em volta não sabiam de nada. Imaginava comandar a situação. O prazer era como aquele que, o leitor no seu tempo de menino, fazia-o optar pelo papel do bandido e não do detetive.
Ela examinou com cuidado a situação. O vendedor mais próximo atendia um freguês. Ao fundo, outro vendedor descia a escada encostada à estante, carregando uma pilha de livros. Por capricho, a mulher pleiteava nas prateleiras um exemplar de "Um Ensaio Sobre a Cegueira", do escritor português, José Saramago. Desistiu. Pensei: muito largo, vai dar na vista dos vendedores. Acabou decidindo-se pela prata da casa: uma edição nova dos poemas de Castro Alves. Era estreito, pouco suspeito. Lentos, seus dedos tocaram o volume e o retiraram com cuidado da prateleira. Um vendedor, ao lado dela, procurava um livro na estante. Pôs-se a folhear o livro, atenta aos menores movimentos do homem ao lado. Ele se afastou sem olha-la.
Foi ai que aconteceu uma destas coisas que só vemos em filmes e novelas: o vendedor na escada deixou cair com estrépito alguns volumes que carregava. Todos os olhares convergiram-se para ele, menos o meu. Bastou um segundo – segundo que ela se aproveitou para enfiar o livro entre as folhas do jornal que trazia debaixo do braço – para ela. Sem pestanejar, apanhou outro livro para despistar: “Crime e Castigo”, que ironia. Dostoievski jamais poderia ter sido tão contundente. Colocou o exemplar no lugar. E olhou sem pensar, na certa, certificando-se que ninguém a havia visto.
Ali eu estava, sentado, com os olhos fixos em um exemplar pouco comemorado, mas, bastante sugestivo para a ocasião: “Ainda lembro”, do jornalista baiano, Jean Wyllys, vencedor de um programa que tem o dia a dia de pessoas confinadas numa casa como conteúdo de um show, dito, da realidade. Esboçou espanto. Ficou parada, a poucos passos me olhando. Fiz que não vi. Deve ter pensado: talvez, o rapaz esteja esperando que eu fizesse menção de sair, para me pegar com a boca na botija. Parecia sentir que eu sabia de tudo e ela, agora, não sabia de nada. Invertiam-se os papéis.
Apanhada na armadilha que ela mesma havia montado, ela olhava ao redor, incapaz de qualquer reação. Eu continuava folheando o livro do Jean. Aos poucos ela foi se acalmando. “Não, ele não viu nada”, pensou. “Ninguém me descobrira, que bobagem era aquela, sem mais nem menos?” , como se dissesse para si mesma, ande, vamos, siga em frente. Decidiu acabar logo com tudo aquilo: agora ou nunca! Apertou o jornal com o braço e avançou firme até a porta. Foi quando me levantei. Ela hesitou e eu saí pela porta, carregando um exemplar nas mãos.

domingo, 12 de agosto de 2007

História que contei aos meus filhos

Ismael Teixeira

Ela viu um dia pousar no seu quarto; com pés descalços um pobre passarinho. Vinha de árvores, vinha de galhos, vinha em frangalhos dos tantos sonhos que iam. Amparou-lhe com mãos discretas, contou-lhe histórias, costurou roupinhas e sem querer de repente os dois se encontraram: olhares, encantos e poesias. Mágico como um conto de fadas amaram-se, e escondidos ali fizeram um ninho. O pássaro pequeno foi crescendo, crescendo depressa e pensava em casar ter dinheiro e família. A menina em plumas sonhava na janela em sumir à tardinha com cada revoada que ia. Caminhos cruzados, caminhos contrários, foram descalços escapulindo a cada dia. Até que numa primavera de sol, no quarto iluminado não se ouviu mais piu, nem mais bom-dia. Onde foi o passarinho que até pouco se vestia? Já com óculos, barba e garantias saindo do banheiro para ganhar a vida não mais encontrou a menina. Desesperado, procurou até no armário, por onde foi essa menina? Correu para a janela - só da janela podia - e avistando uma revoada estava lá seu amor que partia. Tentando voar caiu no jardim, e correndo como um louco foi gritando: volta pra mim? Tarde demais. Pobre passarinho. Se confundia com os homens do caminho. Chamou um táxi. Mandou seguir aquelas coisas que cantavam. Ainda no trânsito, engarrafamento, ligou para a secretária se desculpando do atraso: Era só o que me faltava, uma relação sem salário. O táxi chegando até onde podia, despediu-se dele que correu como pôde até um morro onde poderia dizer a última mensagem. Uma mensagem de amor para a menina querida. Aqueles lindos pássaros, livres, belos ao vento, fez sentir um certo aperto, um determinado sentimento. Puxou do paletó uma arma e mirou numa ave bem bonita. Aquela era tão bela: Servirão as penas e a carne seria frita. Atirou com maestria. Como nunca se atirou em lugar algum. Matou a pobre vítima com astúcia e valentia. Correndo para ver seu presente fez tudo como planejava. A carne virou um prato, e as penas uma mortalha. Ainda hoje, no carnaval, o rapaz se veste de pássaro sonhando voar como um canário. Assim termina a história que um dia se fez nossa pobre família. Entrou pelo bico, saiu pelo papo, quem quiser outra que conte ao contrário.


*texto dedicado a minha atriz mais bela. Sempre me levas aos mais belos caminhos: "Como Almodóvar". Comi.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Miúdos

Soul Sócrates

Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é este que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca.

Carta - Oração a Maria

Raiça Bomfim

Venho aqui a confessar-te, Maria, não estar arrependida do que hoje é só memória, pois a estrada que uniu-nos me guiou a este lugar em que encontro outras venturas. Se, por amor de quem hoje te acompanha, eu, um dia, pobre humana, maculei-te em pensamento e, ainda àqueles tempos, tua candura d’algum jeito me aplacava, quando agora, cá de longe, vejo-te, a escolhida, tão serena em teu altar, e são outras minhas escolhas nessa vida, não restou mal no que sinto ao recordar-te. Ao olhar pra teu menino, esse teu menino santo, vendo o pai nascer no filho e os espíritos sorrirem, a beleza deu-se ao peito, e à mãe, minha senhora, de olhos brandos, de esperança, quem então não amaria? Acredite em meu intento, eu, Maria como tu, eu, das dores, cujas flechas, sim, sangraram-me teu nome, quando o que julguei ser meu abrigou-se em tua alcova, e cravaram-no tão fundo que até hoje, em alegria, ainda guardo a tua imagem. Pois agora venho a ti pra lhe dizer que o sentimento já é outro e procura tua palavra, pois da sina das Marias compartilho, e compreendo teus pesares, reconheço teus anseios, sei da dor do nosso tempo, da família, das raízes, da nossa velha cidade. Vamos todas nesse enlace, e em nós, ele é pungente, que há marcas que encobertam-se na alma e carecem de desvelo para não redescobrirem-se em postas sob a cruz que carregamos nas torrentes invernais. Se em meu caminho foi-me dada tua presença como a de outras e outros tantos, reconheço nos encontros a esperança desta raça, e ao nosso ainda falta o milagre da ternura. É por isso que aqui venho com lisura e abertos braços a esperar-te num sorriso, pois o laço do destino que uniu-nos, minha amiga, só desata a libertar-nos com um abraço.

Ilustra ação

alexis g.p.b santana

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Barcarola

Ismael Teixeira

Beira do mar. Noite. Lua. O vento folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Pedaços de si voam. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. O meio do mar é a agonia. Distante da utopia do horizonte. Da segurança da terra firme. Sereias. Tormentas. Ele sabe. Insiste. O caderno pára. Frases curtas aparecem. Um texto de pausas. De espera. Paciência. Espera de um barco. A ver surgir no mar. Uma barcarola que de há muito prometia o retorno. Lançada ao deus dará. Marcha na imensidão. Por toda a eternidade. Barcarola. Barcarola. O texto repetia essa nau. Como uma prece. Uma evocação. Um pedido de lamento. No silêncio de quem muito ainda espera. Ele coçava o nariz gelado. Esfregava os olhos. As olheiras cansadas. Há muito tempo. Tempo de noite sem fim. Lançavam-se ao mar todos que não falavam a verdade. Poetas. Loucos. Profetas. Artistas. Mendigos. Filósofos. Doentes. Todos que se negaram dizer a verdade. Naquele tempo havia só uma verdade. Como hoje. E foram ao mar. Todos. Não se sabem quantos barcos desses houveram. Muitos. Talvez. Alguns acreditam que o suficiente para expurgar da terra todos aqueles da mesma ousadia. E expulsaram. Até não sobrar nenhum. Nenhum capaz de inventar outra verdade. O sol continuou sol. O claro continuou claro. O dia continuou dia. Pessoas alegres transpiram. A mesma verdade de todo dia. Beira do mar ou horizonte. Nada estranho. Nenhuma agonia. Noite. Lua. O vento ainda folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. Insiste. Uma barcarola que de há muito prometia voltar. Voltará. Esqueceu um. Apenas um. Voltará.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Escritos sobre a Greve - 6º PARTE

Soul Sócrates

As moças e moços das lojas de grife conduziam os maniquins até o camarim, ali, trocariam as vestimentas e receberiam o roteiro do diretor de arte e fotografia da nova coleção, que nas entrelinhas mandava que fizessem caras e bocas,esboçando um ar melancólico e distraído. Com os olhos voltados para o horizonte, retornariam até a vitrine - andando feito emas- após serem devidamente maquiadas e assumiriam, definitivamente, o lugar dos centros de meteorologia, indicando a mudança de estação, desempregando milhares de moças que um dia esperavam ser ancôras do telejornal das oito horas. Era o último sinal necessário para os dirigentes majoritários do partido maior anunciarem aos alto-falantes e aos carros de som, a abertura do cadastramento final dos participantes do nonogésimo simpósio vermelho cor de esperança. E quem era o primeiro e único da fila. O menino de braços cruzados, que aguardava a escrivã fulana de tal completar o último mover do mouse para finalizar uma jogada de um game curiosamente apelidado de paciência. O semblante preocupado e tenso de outrora mudou na mesma medida das partes aparentemente desconexas desta narrativa, que encontrou no artifício do ocultamento a fórmula do suspense, capaz de segurar a atenção do leitor até a parte posterior desses Escritos sobre a greve, que irá revelar, quem sabe na próxima leitura, qual será a palavra cantarolada pela imensa massa silenciosa filiada ao partido maior.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE
Escritos sobre a Greve - 5º PARTE

Escritos sobre a greve - 5º PARTE

Soul Sócrates

Com pressa nas estribeiras, corria amendrontado pela via principal, braços encolhidos, pernas truncadas, cabeça baixa. Os signos e os sentidos daquele folheto pertubavam cada vírgula da sua cuca, que desabituada ao exercício das respostas, procurava encontrar - uma incerteza que fosse - naqueles escritos, pois, era na dúvida que ele existia. Nunca procurou um mundo pronto, nem tinha qualquer pretensão - ao realizar tantas perguntas - de formular uma teoria que abarcasse em sua totalidade a imensa e complexa contradição presente na realidade. Mas, tudo estava latente e tilintava como uma torneira semi-aberta na pia de lavar pratos que se tornou a sua mente. Ao ler e sentir a retina aprofundar linha por linha, o menino pós - engessamento começou a andar em círculos e esperar que as palavras repousassem sobre as vísceras do seu pensamento. Elas fervilhavam, pulavam, cantavam, marchavam íngremes sobre a alvorada da razão, que explodia os porões da inconsciência, condenando os sonhos, a fé e a esperança à uma mensagem chamada verdade. Sem versões, ângulo, perspectiva, juízo, lado, sinopse, resumo ou interpretação. Pura, insossa, seca, direta e objetiva. A verdade veio inteira, sem atalhos ou qualquer mapa para indicar o caminho. Era ela e pronto. Estava decidido. O nonagésimo simpósio do partido maior seria marcado pelo grito da palavra. O manifesto, o estatuto, as cartas, o regimento interno do partido, as teses, as resoluções e emendas, tudo estava fadado ao fim. Assim dizia a mensagem. A desconstrução, o desbotamento, o rosto incolor e pálido daquele menino entristecia até mesmo o mais bobo dos palhaços, que não tinha sequer o gesso branco e rígido sobre o braço dormente a disposição para escrever qualquer coisa alegre ou engraçada, capaz de abrir um sorriso, mesmo que de canto de boca, amarelo ou cor parecida no semblante fúnebre que tomava pouco a pouco a forma predominante da sua face. A verdade tomou-lhe a alma e a palavra adormecida contava os dias para ser pronunciada novamente. Depois de ler o panfleto descartável, o menino e os palhaços postos "logo atrás" por acaso, descobriram até mesmo por quem seria dita a palavra inaudita, mas, não acreditavam. Sem ataduras, esparadapos ou qualquer curativo, o menino teria sido resignado a concretizar a façanha. E os palhaços. Os palhaços surgiram por acaso, como numa cena ionesca.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Partitura - Estudo 1 Menuetto

Ismael Teixeira

Caras mãos. Mãos bailarinas. Sufocam e matam o silêncio. Num gesto mudo. Leve. Ríspido. Caras mãos. Mãos sozinhas. Dançam. Dançam. A música que nasce de suas acrobacias. Mãos cegas. Surdas. Mãos sem guia. Seguem nuas. Calmas. Em agonia. Vejo-as saírem porta afora. Vejo-as voarem vento agora. Janelas. Palácios. Tabernas. Vejam-nas. Vejam-nas suarem como dia. Vejam-nas como desfalecem. Tremem. Tremem. Tremem. Histórias inteiras sem voz. Caras Mãos. Mãos que chamam em linguagem dos surdos as lágrimas. Chamam pelas almas. Esquecidas. Caras mãos. Musicais. Musicais. Distraídas.

Está bom?

Penso que o início está interessante. Gosto de peças em dó maior. Entretanto a virada. Na virada poderia haver uma quebra. Poderíamos entrar com outro tema. As mãos poderiam ficar violentas. Uma quebra com um si bemol. Variações de violino. Com entradas de um grave ao fundo. Marcação de um compasso lento, pausa e voltamos ao tema inicial.

O que acha?

Mãos. Dissentes. Mãos. Dissentes. Mãos. Deveras sentes. Dissidentes. Outras. Cão. Mãos. Flechas de mãos. Rubra. Noite. Rubra. Açoites. Gemes. Mãos. Não. Não. Não.

Assim?

Sim. Sim. Continue.

terça-feira, 31 de julho de 2007

O tempo e as horas

Ismael Teixeira

Para um escritor a vida leva até a beira de um rio. Para quem não é. Também. Sabino afirma que o tempo é conhecido depois dos trinta. Antes disso a luta é pelo espaço. Tempo é a diferença entre a idéia de um peixe e o peixe preso ao anzol. Assim como as palavras são para o papel. Poucos conhecem o tempo. Meu personagem de hoje foge a regra. E, contrariando Sabino, ele conhece ainda antes dos trinta. Ao caminhar numa rua antiga, certa feita, sentiu que o vento que tocava seu rosto e arrastava as folhas também tinha seu tempo. E, se hoje acariciava pessoas, musicava e coloria ruas antigas é porque aprendeu a ser gentil com a rudeza das auroras. Desde muito jovem meu personagem aprendeu que o tempo vive no mar. Num ponto qualquer entre as ondas e o horizonte. Dessa forma nunca precisou acelerar o coração antes da hora. Desde muito cedo percebia o momento em que as crianças deixavam de sorrir com certo brilho no olho para mentir. Ou mesmo quando um jovem deixava de sonhar para viver. Esse tempo que escapa nas pessoas era o tempo que nele havia. Talvez, seria um motivo pelo qual sempre se notava em seu jeito uma figura sem traço. E, portanto, assim, nenhum escritor teve a ousadia ainda de descrevê-lo. Peço desculpas por não saber ao menos o seu sexo. Mas tenho certeza, caso tiverem sorte de encontrá-lo, notarão que suas vestes estão sempre úmidas. Ele ou ela sabe que para um escritor a vida leva sempre até a beira do rio. E para quem não é. Também.


*Texto dedicado a uma grande amiga-tempo. Babi.

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Humores de um amor declarado

Raiça Bonfim

Sim, meu amor, eu me pinto
Com as cores que você pedir
Pra que você veja meu rosto
Por todo caminho que seguir
É, meu amor, eu confesso
Revelo desejos escusos
Pra que você olhe tão fundo
Que cegue de amor só por mim
Deixa, amor, que eu assumo
Eu tiro de ti toda a culpa
Pra que você, leve, passeie
No céu de minha boca desnuda
Amor, eu te mostro meus medos
Te entrego meus pontos mais fracos
Pra que, ao querer proteger-me,
Você me conserve em seus braços
Também te demonstro minha força
Te provo o quão muito que eu posso
Pra que você, frágil e cansado,
Se entregue, chorando, a meu colo
Vê, meu amor, sou perversa
Te rodo e te jogo em minha festa
Pra que você, tonto e confuso,
Se perca, gozando, em meu mundo

domingo, 29 de julho de 2007

Crônica que ninguém ver

Ismael Teixeira

Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Era uma tarde comum. E um velho jornalista, como eu, sabe que em tardes comuns um olhar atento pode ver o monstro emergir da lagoa. Naquela tarde avistei muitas pessoas passarem naquela rua comum. Defronte estava uma praça sem graça. Nela um rapaz falava aos berros no celular sendo esticado por seu cachorro que latia para o cachorro de uma garota aparentemente atrasada. Adiante um quartel. Sentinelas estáticas durante horas em posição de guerra. O vento passava e acariciava minha penugem branca. Fim de tarde. Observava como quem conhecia a vida de todas elas. Uma pobre tarde comum. Muitas pessoas que passavam também eram comuns. Algumas passavam olhando para o chão. Outras pareciam estar em lugar nenhum. Muitas pessoas eram mulheres e avistava todas com meu olhar de velho jornalista. Algumas me notaram. Outras não. Todas passaram. Mas uma não. Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Ela parou. Olhou o que nele havia. Pegou uma garrafa plástica. Colocou no saco. Numa fração de segundos encontrou meu olhar da sacada da janela. Sorriu. Sorri de volta. E foi embora arrastando seu corpo cansado. Por fim. Olhei novamente para a tarde comum. Fechei a janela e escrevi o que está lendo agora.

sábado, 28 de julho de 2007

Escritos sobre a Greve - 4º PARTE

Soul Sócrates

Os objetos, coisas e carros passavam por ele enquanto assistia taciturno um mar de dúvidas e certezas serem dissolvidas por uma pequena peça publicitária plástica, que não era originária em sua composição química das novas técnicas de desenvolvimento sustentável sugeridas pelos programas nacionais de conscientização, nem tão pouco seguia as orientações dos manuais de reciclagem e aproveitamento de bens renováveis fornecidos por organizações não governamentais, mas, que carregava no conteúdo todos os critérios relevantes para o entendimento de uma mensagem, tese, argumento e conclusão. O menino de braço dolorido tomava conhecimento de uma rebelião, uma revolta, um motim que pretendia entoar no nonagésimo simpósio do partido maior uma palavra que caiu em desuso, perdeu o prazo de validade e foi protocolada e arquivada no cartório dos termos desprezados pela memória coletiva. Ergueu a cabeça, olhou em volta e percebeu entre os nebulosos e escuros becos sem saída da avenida jornalista beltrano sobrinho e terceiro, espécies de pontos luminosos organizados em pares, como se fossem lobos prontos para pularem sobre a carcaça macia de uma ovelha desgarrada. Voltou a olhar o panfleto e o guardou esbaforido na mochila desbotada que ganhou da namorada há dois anos, e seguiu.

Escritos sobre a Greve - 1º Parte
Escritos sobre a Greve - 2º Parte
Escritos sobre a Greve - 3º Parte

quinta-feira, 26 de julho de 2007

O fim das cidades alta e baixa

Soul Sócrates

A cidade estava em pânico. Faltava trabalho para os que estavam em cima e para os que estavam embaixo. Falamos de Salvador, que como todos sabem é alta e baixa cidade, não apenas no sentido vulgar, quando se quer chamar alguém de baixa (pelos modos que anda), e alta, pela posição social que ocupa. Não. Salvador está dividida literalmente, se é que cabe em escrita dizer literal, em cidade baixa e alta. Portanto, falta trabalho assim como na terra, assim como no céu, se permitem à analogia agostiniana. Foi então que ocorreu na cabeça do administrador do município um daqueles surtos que por ora parece genial. Vou ser o primeiro a mandar em duas cidades, cortando o desemprego que existe em uma cidade pela metade, assim que dividir o que era um em dois. Esqueceu, contudo, que em proporções, o desemprego será o mesmo, alertou um assessor atento. Não, teria gritado, como quem defende uma idéia incontestável, quase que nascida pronta, pois como todos sabem este homem faz parte do grupo dos escolhidos. Ao dividirmos a cidade, iremos identificar em qual das duas existem mais desempregados. A que tem menos irá ficar feliz por se livrar da outra e a que tem mais irá ficar alegre pela concorrência ter diminuído. E como iremos explicar ao povo o motivo da separação. Disso resolvo eu, basta dizermos para uns isto e para outros aquilo, está explicado e aprovado no conselho geral do município, e é lei a partir do instante que minha excelência bater o martelo e é agora que faço. Estava feito. E como iremos separar a cidade. A cidade é dividida por natureza, basta oficializarmos o trabalho feito por Deus, reparando apenas os desleixos deixados por Ele. Afinal de contas para quê Ele teria nos criado senão para consertar uma coisa aqui e outra ali. Eliminamos as ladeiras que ligam o de cima ao de baixo. E assim foi. Os que em cima estavam receberam o comunicado em casa com os seguintes dizeres do administrador geral, Se assim Deus quis, pela Sua Própria mão, deixá-los mais perto dos céus, não serei eu que continuarei mantendo uma ligação ainda maior com o inferno, que, como todos sabem, fica na parte de baixo. E os que em baixo moram, leram o seguinte, Assim como foi edificada a primeira igreja na rocha, assim deve ser a nossa primeira cidade, pois, sim, já que quando as caravelas avistaram essas terras foi a esta terra que primeiro pisaram, havendo de ser esta a primeira cidade, não podendo ser nem mais baixa nem mais alta, mas a primeira e única. Entre uma e outra ficaram os que ali sempre estiveram, agora, mais do que nunca, sem endereços e com prazo determinado para tê-lo. Numa ladeira não existem os de cima e os de baixo, há, no máximo os que mais perto ou distante estão de ambos os lados. E o administrador geral comemorou como se tivesse feito coisas de sábio, coisas de Salomão.

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Sem título

Ismael Teixeira

Não. Não me escreva. Hoje quero ficar na escuridão. Onde dorme a calma das palavras. O não ser das certezas. Não. Não me escreva. Tu que podes inventar São Franciscos em terrenos baldios. Molhar a água. Derrapar navios em chamas. Não. Não me escreva. Eu sei. Não sabes. Os personagens também amam distantes das prateleiras. Sonham sem precisar de metáforas. Eu sei. Não sabes. Que enquanto inventas dramas daçamos atrás dos sonetos. E quando rasuras e apagas. Reinventas uma nova beleza, aqui, desse lado, não sabes. Mas poluiu uma cidade inteira. Eu sei. Não sabes. Julgas saber que escreves. Sintaxes, elipses perfeitas. Saiba. Não somos negros. Brancos. Nem usamos óculos. Não matamos e nem morremos. São tuas velhas certezas. Eu sei. Não sabes. Um dia vais perceber. Quando escreves já é tarde. Tarde demais para saber. Nesse dia deixarás as folhas. Os verbos e os nomes. Em paz. Verás que antes há sempre um alguém que escreve. E quem te escreve também não sabe. Se engana. E refaz. Não. Não me escreva. Não percebes que continuamos tuas poesias? Que também sentimos. Que também cheiramos. Que também estamos? Todos nós. Antes e depois do pincel.

Escritos sobre a greve – 3º PARTE

Soul Sócrates

Refeito das dores no braço pós-engessamento e do estado de perplexidade provocado pelas incomodas assinaturas contidas no livro vermelho, o menino ainda escondia a esperança de encontrar uma explicação para tantos episódios e decisões tomadas sem aviso prévio ou qualquer ordem de despacho. Vagou pelas calçadas e passou pelas sinaleiras sem prestar atenção nos ultraaparelhos de tevê expostos nos bares, todos programados para disponibilizar o mais variado número de canais, mas que, no entanto, estavam sintonizados apenas em um, que apresentava justamente os letreiros e os jingles criados para a realização do nonagésimo Simpósio do partido maior. Foi quando tropeçou num devaneio, e deixou de ouvir um ancião barbudo esbravejar anedotas bíblicas, desfazendo dos avanços tecnológicos e das infinitas possibilidades dispostas pela contemporaneidade, assim como das vidraças arrebentadas por outros meninos como ele, que lançavam sobre as janelas das igrejas católicas e evangélicas os velhos coquetéis molotoves e pedregulhos arrancados das próprias vias da avenida jornalista beltrano sobrinho e terceiro. Até que parou rarefeito sobre um folder colado na calçada que fora corroído e deteriorado pelas freqüentes mudanças climáticas comuns aqueles tempos, esfregou os olhos e se inclinou para vê o que estava escrito. Leu uma mensagem que apresentava interrogaçõs muito semelhantes as que havia feito durante a última Assembléia Geral, e que formulava muitas reflexões e prováveis respostas, algo que não poderia encontrar nos discos e nem nos livros e dados guardados em seu pequeno pen drive. Era assustador.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE

Uma menina virtual

Soul Sócrates

Na leveza das entrelinhas
Das janelas entreabertas
Entre uma noite e um bom dia
nasce uma manhã
clara e azul
loura feito o sol
sem chances de um encontro
se quer um olhar
abafado pela pressa
Sem expectativa
apenas a lembrança virtual de uma cena
uma foto
e nada mais
por que amanhã o espaço físico não se desmancha?
Une o Nordeste ao Sul
tudo ao mesmo tempo
Tudo isso é absurdo
continuo na Bahia
e sou apenas isso:
palavras

quarta-feira, 18 de julho de 2007

"Quem não reage, rasteja”

Xico Alves

Baixios das Bestas de Cláudio Assis (Amarelo Manga) é um filme essencial, cruel, violento, porém real. Não no sentido de uma representação fiel da realidade, mas com uma verossimilhança incrível, quase um espelho da atual juventude brasileira. A força e virulência do filme pode até ser desnecessária em alguns momentos, mas como chocar, como refletir sobre uma juventude transviada, “toda perdida”, sem meter o dedo na ferida? Mas se engana quem pensa que o filme de Assis é só isso.
O filme é uma espécie de ensaio sociológico sobre a zona da mata pernambucana, mas que poderia ser um retrato de zona urbana de qualquer grande cidade brasileira, posto que o diretor extrai um rico “material de estudo empírico” sobre a degradação do mundo, sobre a imundice do mundo, como bem disse uma personagem da película. Lá, como cá, a miséria, a prostituição, a mesquinhez, a impunidade etc. corroboram com o estado lamentável da sociedade brasileira.
Cláudio Assis torna-se assim uma figura fundamental, provocadora e extremamente consciente do papel social do cinema na formação simbólica de um povo, levando a tela questionamentos morais sobre quem somos, o que queremos ser e sobre o que esperam de nós.A câmera de Walter Carvalho (Amarelo Manga, Madame Satã) é estática como a situação das personagens. Sem nenhum tipo de perspectiva de futuro, sem esperança, sem mobilidade social e moral. Os poucos movimentos de câmera demonstram um espécie de tentativa, de saída da clausura. Contudo são pequenas, pontuais, que parece não representar nada ante tanta miséria. Os longos planos buscam representar a vida, o cotidiano de uma realidade cruel, imóvel, estatelada, em que caminhar significa chegar a lado nenhum, a coisa nenhuma.
A violência das imagens, para alguns desnecessárias, denota um apavoramento frente a tanta barbárie encenada diariamente diante de nosso olhos. Cenas de curras, espancamentos, nudez, drogas e degenerações de todo tipo assombram alguns poucos que acreditam na inocência das relações sociais. O avô que explora sexualmente a neta, jovens inconseqüentes que matam, abusam sexualmente, usineiros exploradores e cafetinas formam uma sociedade que serve de experimento para Assis. Se em Amarelo Manga, filme anterior do diretor, a violência parecia escorrer pela tela, em Baixios das Bestas, a realidade não parece caber apenas ali, numa tela, por maior que seja.
O filme parece prevê a atual situação da sociedade brasileira, em especial da classe média, antes considerada o sal da terra, café-com-leite, como quem nem cheira nem fede, agora como vilã, como nos fazem acreditar os meios de comunicação de massa. Só agora essa classe média olha para seu umbigo e passa a ser perguntar onde erraram na formação dos seus filhos. O filme de Cláudio Assis responde de forma muito clara: não erraram. O mundo é bom, o problema são as pessoas, e isso Assis deixa bastante claro, que não basta mudar o mundo apenas com a vontade de fazê-lo mais justo apenas, é necessário que sejamos melhores, não que o outro, mas que nós mesmos.
Os agroboys de Cláudio Assis podem até não conhecer os pitboys do Rio de Janeiro que espancaram e roubaram uma empregada domestica por confundi-la com uma garota de programa, entretanto sabem que num país com tantas contradições como o nosso “miséria pouca é bobagem”. Os “garotos” da zona da mata pernambucana são ficcionais, ou não, já os do Rio, infelizmente são bem reais, somos nós travestidos de cordeiros. Baixios das Bestas é um filme essencial, é um filme de quem não intimidar-se, pois como diz o próprio diretor: “quem não reage, rasteja”.

terça-feira, 17 de julho de 2007

O cego, o aleijado e o louco

Ismael Teixeira


Para escrever um conto não se precisa de mãos. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei algumas gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente. Maiakovski esquecera das rosas num bar antes de fugir para sempre do seu grande amor. Escrever é um estado ausente e o esquecimento do poeta russo se deu porque escrevia demais. Não podemos amar e escrever ao mesmo tempo. O acordar do tinteiro sobre a mesa. A vela morta nos castiçais são sintomas perigosos. Oscar Wilde denunciou seu fim a um jornalista quando não pôde mais separar sua vida da poesia. Tolo do artista que não entender que sua obra nasceu para não caber nas roupas. Nas palavras tolas de outro alguém. Ficará sem orelha. Hoje, ficarei sem mãos. Para escrever um conto não se precisa delas. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Escritos sobre a Greve - 2º PARTE

Soul Sócrates

Depois do bolodório, as mentes ofuscadas pele vã retórica esvaiam feito uma nuvem dispersa por uma tempestade de neurônios comandados para gritarem e cantarolarem palavras de ordem, ordem, ordem, ordem, e seguirem adiante, até o balcão geral. Os rostos desvanecidos eram amontoados e contados por operadores e técnicos e sentinelas e vigilantes e dirigentes e militantes e todos que contavam e tocavam-se mutuamente e simultaneamente, todos que detinham sobre o palmo da mão a presença empoeirada dos companheiros e companheiras empoeirados pela razão absorta dos números. Com este percentual de pessoas nunca visto e que só vivifica o espírito participativo e democrático deste partido foi aprovado isto e aquilo e aquilo outro nesta presente hora desta presente Assembléia. Tantos e tantos e ninguém de fato sabia tão pouco sobre o outro. E saíram em fila polonesa, desaparecendo cada um no clarão das decisões tomadas ali, só o menino com o braço enfaixado permanecendo estático, olhando para o alto, sem compreender quais teriam sido as palavras ditas por um líder pouco visto, que convenceu ou foram ouvidas pelos demais sem um rumor ou sequer uma divergência que não fosse a dele. O menino enfaixado resolveu gritar e pediu a apresentação de um livro que contivesse a assinatura de todos os cadastrados, filiados, registrados, contados e recontados e consultados novamente. Um estalo, um estrondo estaparfúdio embalou o eco e despertou na escuridão um som similar ao de um livro lançado sobre o chão. Um holofote revelou o caminho até uma ata da Assembléia devidamente apresentada com o brasão do partido na capa, e o menino mesmo enfaixado, mesmo apresentando dificuldades, correu até o exemplar e abriu, e viu assinatura por assinatura, inclusive a dele, rabiscadas e autenticadas pela direção do partido, dando por imensa maioria a aprovação de que seria realizada uma nova Assembléia. O menino enfaixado ficou e ficou e ficou, até começar a nova Assembléia. As mesmas perguntas do menino enfaixado e a mesma massa silenciosa e cinzenta aprovou o encaminhamento de uma nova Assembléia e foi assim até a realização inusitada de um Simpósio. E houve uma grande mobilização nas ruas, faixas e panfletos eram vistos no alto e nos postes; o vento arrastava papéis e textos opinativos pelas vielas e na televisão resplandeciam letras e vozes dando nota deste importante acontecimento na história do partido maior. Na internet eram criados espaços mil, pequenas mensagens enviadas via e-mail acirravam o debate e se tornavam públicos os embates e desencontros ideológicos pouco a pouco, na medida em que o vermelho virava roxo, rosa, lilás ou amarelo, na medida em que uma mensagem era mais comentada nos jornais do que a outra, tomando partido desta ou daquela versão e leituras sobre o estado de coisas em foco no cenário internacional. Os ânimos descritos nos textos evocavam uma revolução em curso e permanente, que mostrava o poder de uma organização nunca tão organizada e integrada, nunca tão eficiente, resultante de uma época em que nunca foram produzidos tantos adesivos e comunicados, mas, no entanto, não víamos os nomes por de trás dos textos, não víamos nada além da imagem fria das camisas cheias de sorrisos e belas frases, não víamos o momento em que o menino levantava o braço sem ataduras, nem tão pouco as pessoas assinando livros de presença. Mas, o Simpósio estava perto e as bandeiras erguidas na sede do partido balançavam como se estivessem numa motocicleta a caminho de uma história de amor.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Escritos sobre a greve - 1º Parte

soul sócrates

A decisão foi do partido, logo, após os caquinhos serem juntados e como um quebra-cabeça encaixados uns nos outros, sem ausência de partes, iremos retomar a discussão anterior, da qual não deveríamos ter saído, mas, talvez por receio ou sapiência de que seria um árduo debate, deixamos para o final, lugar, contudo, onde não podemos parar, já que se nele chegamos depois de termos discutido o meio e o início, não é direito, ainda que a reunião seja da esquerda, ficarmos olhando para uns e outros como se estivéssemos nos conhecendo agora, fato que não é possível, porque todas as cerimônias já foram feitas na etapa inicial entre o início e o meio, então, comecemos o último fórum. O menino de braço enfaixado levantou o braço bom e perguntou, de que vale fazer um debate a essa hora, eram onze da noite, se não podemos enxergar de fato as decisões de um partido que se esfacela diante de nossas opiniões sem que seja possível juntá-las em uma só, e mesmo se fosse possível fazer tal proeza, como mostrá-la no meio dessa escuridão ? Próxima pergunta. O menino com braço enfaixado ergueu o braço sem ataduras novamente e perguntou como é possível guardar todas as palavras que fez sem anotá-las, e, se assim é, como solucionar a impossibilidade de escrever qualquer coisa no escuro e depois tornar possível a sua leitura em seguida, não seria sensato discutir a primeira pergunta antes que o sentido dela se perca na escuridão das palavras sem escrita? Irritado, o líder que não era visto, mas contava com a crença de que todos que estavam ali (ou não) o viam, respondeu para uma massa cinzenta.

Escritos sobre a Greve - 2º PARTE

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Ismael Teixeira

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esperando a poesia.

domingo, 8 de julho de 2007

Doutor Trombone

soul sócrates

Arre égua coração, não precisa “martratar”, não está certo tal desfecho, mas ensejo, um desejo só, nem precisa explicar. Alivia nas esporas, desata os “nó” e acorda, hoje é seu Varjão é quem vai contar. Uma estória descabida, trazida do sertão. Onde areia é terra seca e bala é desviada com facão.
Minha neta, uma menina, uma moça feito flor, sentia no peito uma agonia, uma “ardura”, e de quando em quando gritava e dizia:
Tô sentindo dor! Avexado eu respondia:
Tenha calma minha “fia”, já chamei o doutor.
E minha neta, coitadinha, dava pena, só vendo, nunca vi uma menina, parecia trepadeira, se contorcia feito flor.
E com uma maleta toda preta, com anel de ouro pra confirmar, o doutor lá da esquina, veio depressa, foi só chamar. Examinou a minha neta e pediu pra preparar, um chá de romã e sem demora retrucou:
Conheço essa “mardita”. Mas amanhã, tenho certeza, a doença acabou.
Foram dois, três, quatro dias e nada, a danada não passou. Liguei pra meu primo, médico, também na cidade chamado de doutor, pra vim correndo pra Bahia, aqui, para o interior.
Paripiranga era o destino do meu primo, que quando menino brincava de estudar. Pra seu espanto severino, encontrou o seu amigo, doutor daquele lugar, ao lado da minha neta com dois terços à orar.
O que se passa meu senhor?
Ora essa meu amigo, não percebe. Não sou senhor, sou doutor, aqui meu anel.
Como tal, doutor que se diz, o que faz com um terço na mão?
Oração nunca é demais, não tendo jeito, em Paripiranga, é assim que se faz.
Então me diga, agora em paz, o que tem a minha sobrinha?
Incerto, o doutor da esquina arriscou, só de ouvir falar, de uma tal de trombose e sem rodeios diagnosticou:
É trombone, falou com firmeza.
O meu primo, constrangido com a certeza, pôs o ouvido no peito da sobrinha e com ironia ele brincou:
Se for mesmo trombone, ele está tocando muito baixo.
Obs: um texto criado após um comentário sabido e uma homenagem ao meu pai e ao meu avô, Olímpio Varjão.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

Cinela

Ismael Teixeira

Minha casa tem uma janela. Não que não houvesse outras, mas penso que janela só é janela quando olhamos através dela e nos sentimos sós. Essa não ficava no quarto, nem na sala. Era uma janela sem importância alguma. Fazia parte de um quartinho inóspito que guardava minha coleção de dicionários. Certo dia, aqueles dias que acordamos para dentro, faltei o trabalho por indisposição crônica e passei a organizar meus dicionários por ordem alfabética. Naturalmente, como sempre faço, tirei meus óculos para limpá-los, e como por um estalo, redescobri com meus 4,5 graus de miopia, a janela esquecida. Nunca fui uma apreciadora de janelas. Geralmente as uso como todo mundo. Olho o tempo, fecho por causa da chuva ou do sol, ou mesmo para ventilar o ambiente. Mas, confesso que com essa adquiri um certo apego emocional. Mais tarde, nos momentos que passei a divagar ao teu lado denominei-a Cinela. Bem leitor. Deve está se perguntando por que Cinela. O que ela tinha de tão especial. Peço que não pergunte. Apenas ouça. Deparei-me com um emaranhado de outras janelas. Era um prédio decadente que tinha atrás do meu. A visão desagradável me lembrou o porquê nunca tinha me importando com aquele lado do mundo. Entretanto, o que se ignora é o que se mais precisa, e ao colocar de novo os óculos, passeando meu olhar voyeur a procura de alguma verossimilhança com as novelas de Nelson Rodrigues me deparei com uma cena pitoresca. Numa sala vazia um quadro. Um quadro branco ao fundo voltado para minha janela. Como se Dali tivesse dirigido aquele momento jurei voltar no dia seguinte. Acordei pela manhã e as atribulações me tomaram de tal forma que fui me lembrar da janela dias depois ao ler Maiakovski. Não sei o que o poeta tem haver com janela, com quadro, ou um quadro na janela, mas corri para ver, ou sentir, aquela imagem outra vez. Espanto. Havia uma mulher. Parecia uma mulher. Não sei. Se for. Quem será? Jurei comprar um binóculo. No outro dia estava com um binóculo em mãos, e desde o trabalho já pensara na imagem borrada que guardei na lembrança. Parecia uma mulher. Chegando em casa não fiz nada a não ser correr para identificar a imagem. Sim. Era uma mulher. Era uma mulher incompleta, mas era uma mulher. Pensei. Meu Deus. Verifiquei o ambiente ao redor do quadro. Havia apenas o quadro. No dia seguinte o quadro havia mudado. A pintura parecia bem mais real. E foi ficando à medida que passaram os dias. Quem pintara o quadro? Quem morava ali. Acho que estava ficando obsessiva com aquilo. Precisava de um tempo. Desligar-me dessa idéia. Os dias se passaram e a imagem já não se movia. O quadro não mudou de lugar. Havia ficado estático. Nenhuma mudança mais. Um mês. Dois meses. Decidi perguntar quem era aquele morador misterioso do décimo segundo andar. O porteiro havia me dito que pouco conhecia sua vida. Era um rapaz reservado que havia se mudado ainda aquele ano. Ao retornar para casa jurei abandonar aquilo e cuidar da minha vida. Fui longe demais pensei. Embora não viva sem chocolates, de resto não me acho uma pessoa complicada. Mas confesso que um dia não resisti e voltei a dar uma espiadinha. Observando, havia notado que o pintor misterioso havia colocado uma janela no quadro. Seus cabelos também haviam crescido. Justifico. Acabei tendo uma recaída. Não resisti. Mas, afinal, quem não guarda também suas loucuras? Sem culpa voltei àquela vida. Intriguei-me quando, um dia, já sentada num banco que pus para a ocasião rotineira do pós-trabalho, a mulher parecia mesmo alguém me olhando da janela. Depois de ver e rever como se deparasse a algo familiar, com uma sonora gargalhada. Vi que a imagem que via era eu olhando a janela.

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Banidas

Soul Sócrates

Curvas perigosas
Uma cidade feminina
Ruas, travessas, esquinas
Nas calçadas as meninas
Faceiras, danadas e banidas
Para as esposas
bandidas
Para os maridos
despedidas
Vida injusta
Domésticas, manicures
Todas espancadas
Todas putas

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Três momentos para o Oscar

Ismael Teixeira

O relógio passa o passageiro corre abre o chuveiro chora morrendo de rir. Bom dia. Bom dia. Liga abre a revista volta bebe o café aposta no time que vai cair. Um momento. Telefone. Bom dia. Bom dia. Levanta senta escreve a pauta da notícia que não é mais notícia de uma notícia que ouviu dizer de alguém. E olhando um quadro abstrato pensa sonha canta lembra outro alguém que pensa também existir. Um momento. Almoço. Fuma traga cospe a fumaça do cigarro objeto de consumo diário que pára o tempo para parar para pensar. Pensa não pensa porque lembra de uma reunião que passa do outro lado da sala e precisa entrar. Entra pára para discutir um tema problema de outros problemas de problemas outros quando se aborrece de um problema que desconhece e desce pelas ruas sem saber onde deixou o carro estacionado ao lado onde sempre deixa o carro. Um momento. Come deita dorme. O relógio passa o passageiro corre abre o chuveiro chora morrendo de rir. Bom dia. Bom dia. Escreve olha o texto antes de começar outro texto e conta três momentos perfeitos no emaranhado de muitos verbos. Sorri olha pensa sorri olha pensa coloca o título Três momentos para o Oscar. Consegui.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Uma aliança

Soul Sócrates

Fazia calor em Salvador. Mas, não era dia. Em pé, Antônio Conceição aguardava o buzú na entrada da ladeira do Cabula. Distraído com a mão direita no bolso, tomou um susto consigo mesmo ao lembrar do pão que tinha que comprar.
- Puta que pariu!
Encostada na janela do ônibus, Lurdes Maria olhava cambaleante para a rua. O carro parou. Ia para a Mata Escura. Antônio morava lá. Agarrou-se a porta do transporte e segurou com força. Lurdes se espantou.
- Esses malucos! Ficam fazendo bagunça!
Antônio ignorou. O motorista não queria seguir a viagem enquanto ele não saltasse. Ele batia na lateral do carro com um olhar fixo no retrovisor que refletia a imagem do motorista.
- Arrasta!
Pessoas espremidas gritavam contra e a favor de Antônio.
- Segue essa porra!
- Desce vagabundo!
Lurdes fitava o rosto de Antônio. Até que se ateve a mão esquerda dele. Havia uma aliança.
- Leva motor! É pai de família!
Horas depois todos comiam pelo menos um pão.

segunda-feira, 2 de julho de 2007

homem pedra

Homem
Pedra
Homem-pedra
A guerra
É uma brincadeira
entre meninos travessos.

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Eróscopo

Soul Sócrates

Toc-toc retoque toque
Bono Vox

Batuque o tátil
Vasculhe o volátil
Via
Via Láctea
Palatável, pautável...transitável

Reboque o Oco
Espere um pouco...
Renasce Boccaccio
Reveste este que veste Rebook
Que bebe coco
Que bosque rouco
Cocorico erótico
Reboco, Filoloco, barroco, Foucault

Tic tac
Tive um treco
track, trevas, trepo
Rec
Requer quereres, prazeres
Ok som som testando, atestando
Gravando, recitando, excitando

O Decameron

O que faltou da escada

Ismael Teixeira

Café. Fim de tarde. Pés na calçada fria. Os carros voltam para casa. Entretanto, faltou poesia. Faltou poesia nas escadas. E cada degrau é uma hora. Numa escada passa o dia. Passa. Mas hoje não foi embora. Tudo ficou no mesmo lugar. Telefone fora do gancho. Papel para assinar. Ninguém soube para onde foi. Se procura em outra rua. Longe. Distante daqui. O que faltou da escada. O tempo continuou o tempo. Mesmo manco. Tempo. O mundo que caiu naquele dia continuou mundo. Mesmo em pranto. Mundo. Café. Fim de tarde. Pés na calçada fria. Ninguém soube para onde foi. Se ainda procura em outra rua. Longe. Distante daqui. Talvez tenha achado. O que faltou da escada. E conseguiu terminar aquele dia.