sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Dormindo


Soul Sócrates

Estava maravilhado com tudo e tudo de tudo que a cidade oferecia Estava encantado com os teatros, bibliotecas, museus, salas de cinema, edifícios e o movimento dos carros Estava deslumbrado com a rotina, o ritmo, as ruas, os rostos, as regálias e os retratos em preto e branco Estava dormindo e só percebi ao lhe ver sonhando com nada disso tudo

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Vazio

Ismael Teixeira


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quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Basta

Ismael Teixeira

Olhando o sonho em pedaços. Vencido pelo desanimo, foi percebendo que as imagens iam sumindo, um torpor tomava seu corpo até que a escuridão silenciasse até seus pensamentos. Dormiu. Dormiu. Dormiu até não sobrar ninguém. E quando acordou, passeando pelas ruas desertas sentiu uma paz e uma alegria que jamais achou que poderia existir. Sorrindo, escreveu uma máxima num muro de uma padaria: "São apenas os loucos que escrevem a história".

terça-feira, 28 de agosto de 2007

O esforço basta então?

Soul Sócrates

João Pequeno estava enlameado pelo barro. Fez uma massa com apenas um saco de cimento, para cinco carrinhos de mão cheios de areia fina e três com arenoso. Com a pá misturou tudo e encharcou com água. Queria fazer um puxadinho na parte de cima de casa, que havia pouco tempo, ganhou uma laje festejada com muita cerveja e carne do sol. Não fez corrente de ferro nem nada. Só colocou um tijolo sobre outro, colados por uma massa mal arranjada. Foram três dias assim, parando apenas para tomar água e "colherar" algumas parcelas de feijão e arroz. João pequeno suou bastante. "Tudo pronto", disse ao filho que havia se casado faz pouco tempo. Ele poderia ficar na parte de cima da casa, onde ele havia feito o puxadinho. Numa noite de chuva, chuva forte, o cimento enlameado, os tijolos sem base e a falta de ferro fez falta. João Pequeno não iria esquecer nunca mais dos três dias que passou trabalhando arduamente

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

A idade das águas

Ismael Teixeira

Interessante como caminha o mar dentro de nós. Suas correntezas; ora de dentro para fora, ora de fora para dentro. Em vazão constante derrama dos poros sal e água, e secamos. A vida seca terra, sol, a vida seca lentamente os homens, que no auge da sua idade-beleza são os verdadeiros jardineiros - sabem para onde vão as águas e vão junto com elas. O mar é a igreja de quem caminha só. Igreja de todos os deuses. O mar me fez poeta ainda moço quando percebi encarar o infinito não como desafio. Foi assim que na mais doce das idades caminhei nas águas como fazem os mestres dos mestres. E assim segui horizonte. Sem olhar para trás.

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Bem Perto

Soul Sócrates

imagine
bem de perto
ver
bem de perto
a coloração branca contornando um espelho castanho
uma imagem
sou eu
estou me vendo
parece que penetro em seu pensamento
apenas vejo um ponto preto e um contorno castanho
bem de perto
posso ver o abrir
posso ver o fechar
bem de perto
bem colado
gosto de ficar assim
eles ficam grandes
parece que me consomem
vejo até mesmo os traços
aqueles traços que saem do pigmento negro
aqueles traços que contaminam o contorno castanho
aqueles traços que atravessam
isso atravessam
cortam as cores e se transformam em outras
meio claras até um momento
depois vermelhas
até me incomodam
existe uma aparência de sangue
bem perto
as lágrimas se ampliam
a angústia fica mais clara
um nervoso
bem perto
uma sensação de proximidade
não quero sair dali
estamos tão perto
como será que você ver?
será que você ver o marrom claro?
a pelicula escura?
os contornos circulares?
um em volta do outro?
ou será que você ver outra coisa?
o que te incomoda em ficar tão perto?
será que não vemos nada por causa da proximidade tão latente?
tão perto

E...

Soul Sócrates

Aqui. Olhem. Vejam. Estou em cada toque do teclado. Estou ali e aqui. Perto das palavras. Agindo através delas e a partir delas. Em um minuto sem trabalho. Apenas meias vontades. Vontade de não fazer nada. E assim escrevo, até que meu minuto acabe. Até que não reste mais nada além do espaço aberto dentro do tempo. Um tempo de um minuto ou quase. Estamos em 55 segundos. E...

Não há espaço

Ismael Teixeira


Diaspassamdedoisemdois.Doisemdois.Cinco.Maisoumenoscínicocomoqualquerpolítico.Osdiasconcretos.Apoesiaconcretadivideespaçocomossentimentos.Obstáculo.Caféparaossapatos.Nãohávagas.Nãohávagasparaospésdescalços.Paraarosanarua.Nãoháespaço.Nãoháespaçoparameusdiascontados.Minutosapertados.Segundoscolados.Nãoháespaço.Semteto.Semterra.Sempoesia.Nãoháespaço.Nãoháespaçoparaaalegria.

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Eis o homem

Soul Sócrates

Somos herdeiros do caos. De um tempo em que as ruas tinham outros nomes. Passamos pelos lugares. Os lugares. Cheios de nós. Repletos deles. Nomes. Somos filhos do caos. Das mensagens. Dos sentidos. Dos significados. Das representações. Bebemos o caos. E esquecemos os nomes das ruas e das avenidas. Os desavisados. Sem correspondência. Endereço. Pra quê. Servem os relógios. E os ponteiros. Velocímetros. O que são. Estamos à beira do caos. Desvalidos que somos. Cadê o aviso prévio. Demissões. Andamos pela cidade. Citadinos que somos. Acreditamos no caos. Nas indicações e nas incertezas da vida. O que vem. O que vai. Olhamos pra frente. O tempo persiste. O espaço incide. Eis o homem.

domingo, 19 de agosto de 2007

Amor e amor

Ismael Teixeira


Chove Vermelho. Rimbaud na parede. Camisas de poesias uniformizam. Soldados na noite escrevem. Chove vermelho. Eu disse olhando a cidade. Ela fala que vê vermelho nas calçadas. Que escorre desejos. Saudades. Os carros deslizam de luzes apagadas. A luz apagada. As telas sem cinemas. Nada é real. Nós. Atravessamos vermelhos. Ultrapassamos sinais. Juntos como a cidade inteira. A boca. Ela é vermelha. Musa dos cabarés dança sem telhas. Sem paredes que fiquem no chão. Ao meu lado. Eu. Escritor. Ao meu lado a ditar os ritmos. Os ístimos de cada gole de sol. Ela perguntou se não o viu. O sol. Simplesmente disse a ela o que na verdade não sou. Ela sorriu. Apertou os olhos. Pensou o que pensou. Chove vermelho na noite. Pingos nos nossos olhos para se ver melhor. O amor que rola nas rosas. E escorre. Do céu. O amor em amor. Ela disse. E disse muito mais. Sobre os morangos que o carro tropeçava. Morangos grandes. Como corações exagerados. Entupiam as jantes para andarmos devagar. Continuei. Eu. Ou o escritor. Mas as palavras eram brasas e me queimavam devagar. Até não sobrar nenhuma. Mas ela não esfria. Continua. Amar sem parar de amar não pára. Não respeita o tempo. O outro que vislumbra o tempo. Como você. Depois da última frase sussurrou um verso. Verso que voltava a nós dois. Lembrar que chovia. E chovia para as carnes secas. O escritor já toalhas não tinha. Eu. Nem ela. Nem ninguém. A noite ficou ensopada de tinta. O carro naufragado em papel. Temporal de doce. Final molhado. Com um sorriso mergulhei do carro. O escritor beijou sua lágrima. Ela já sozinha. Pensou. Enfim. Eu gosto das coisas.

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Profecia urbana

Tudo mal, mas tudo bem, o presente é quase sempre como todo mundo diz. Ficarei esperando na tevê o que falta acontecer. Tenho pedras nos sapatos. Atirarei quando for insuportável. O apocalipse virá e ninguém irá ter tempo para ver. Virá num grito surdo de qualquer mendigo ou numa bomba H. Nosso messias terá cheiro de gasolina e óleo diesel. Os anjos serão mulatos. Nordestinos. Os santos serão mulatos e voarão em plataformas dos prédios inacabados. Mulatos. Constroem cidades. Morros. Babel. Mas ninguém vê a torre. O cheiro de enxofre. Tudo errado, mas tudo bem, tudo quase sempre como sempre quis. Ficarei esperando na tevê o que falta acontecer. As ruas têm cheiro de gasolina e óleo diesel. Crianças passeiam com isqueiros de pés descalços. Não importa seus atos. A igreja. O shopping ainda está a salvo. Mas deu no rádio. Uma garota com overdose de café. Na tevê. Na tevê. Na tevê. Ninguém quer comer. A sorte tem um corte de desesperados. Paz enquanto os carros estiverem estacionados. Tudo mal, mas tudo bem, o presente é quase sempre como todo mundo diz. Vamos ver. Deus disse na revista que está contra todos. Vamos ver. Deu na revista. Deus estava com um vestido decotado. Meu cabelo também está penteado. Vamos ver. Os carros estão estacionados. Vamos ver. Os carros estão estacionados.

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Bandido ou detetive?

Soul Sócrates

Não era bela, tão pouco feia. Uma pessoa comum. Entrou na livraria aparentando naturalidade. Havia sobre ela uma sensação de prazer que parecia nascer do próprio medo. Tinha a um tempo, a consciência do perigo que ia correr e a certeza de uma suposta superioridade: pensava que sabia de tudo e os que estavam em volta não sabiam de nada. Imaginava comandar a situação. O prazer era como aquele que, o leitor no seu tempo de menino, fazia-o optar pelo papel do bandido e não do detetive.
Ela examinou com cuidado a situação. O vendedor mais próximo atendia um freguês. Ao fundo, outro vendedor descia a escada encostada à estante, carregando uma pilha de livros. Por capricho, a mulher pleiteava nas prateleiras um exemplar de "Um Ensaio Sobre a Cegueira", do escritor português, José Saramago. Desistiu. Pensei: muito largo, vai dar na vista dos vendedores. Acabou decidindo-se pela prata da casa: uma edição nova dos poemas de Castro Alves. Era estreito, pouco suspeito. Lentos, seus dedos tocaram o volume e o retiraram com cuidado da prateleira. Um vendedor, ao lado dela, procurava um livro na estante. Pôs-se a folhear o livro, atenta aos menores movimentos do homem ao lado. Ele se afastou sem olha-la.
Foi ai que aconteceu uma destas coisas que só vemos em filmes e novelas: o vendedor na escada deixou cair com estrépito alguns volumes que carregava. Todos os olhares convergiram-se para ele, menos o meu. Bastou um segundo – segundo que ela se aproveitou para enfiar o livro entre as folhas do jornal que trazia debaixo do braço – para ela. Sem pestanejar, apanhou outro livro para despistar: “Crime e Castigo”, que ironia. Dostoievski jamais poderia ter sido tão contundente. Colocou o exemplar no lugar. E olhou sem pensar, na certa, certificando-se que ninguém a havia visto.
Ali eu estava, sentado, com os olhos fixos em um exemplar pouco comemorado, mas, bastante sugestivo para a ocasião: “Ainda lembro”, do jornalista baiano, Jean Wyllys, vencedor de um programa que tem o dia a dia de pessoas confinadas numa casa como conteúdo de um show, dito, da realidade. Esboçou espanto. Ficou parada, a poucos passos me olhando. Fiz que não vi. Deve ter pensado: talvez, o rapaz esteja esperando que eu fizesse menção de sair, para me pegar com a boca na botija. Parecia sentir que eu sabia de tudo e ela, agora, não sabia de nada. Invertiam-se os papéis.
Apanhada na armadilha que ela mesma havia montado, ela olhava ao redor, incapaz de qualquer reação. Eu continuava folheando o livro do Jean. Aos poucos ela foi se acalmando. “Não, ele não viu nada”, pensou. “Ninguém me descobrira, que bobagem era aquela, sem mais nem menos?” , como se dissesse para si mesma, ande, vamos, siga em frente. Decidiu acabar logo com tudo aquilo: agora ou nunca! Apertou o jornal com o braço e avançou firme até a porta. Foi quando me levantei. Ela hesitou e eu saí pela porta, carregando um exemplar nas mãos.

domingo, 12 de agosto de 2007

História que contei aos meus filhos

Ismael Teixeira

Ela viu um dia pousar no seu quarto; com pés descalços um pobre passarinho. Vinha de árvores, vinha de galhos, vinha em frangalhos dos tantos sonhos que iam. Amparou-lhe com mãos discretas, contou-lhe histórias, costurou roupinhas e sem querer de repente os dois se encontraram: olhares, encantos e poesias. Mágico como um conto de fadas amaram-se, e escondidos ali fizeram um ninho. O pássaro pequeno foi crescendo, crescendo depressa e pensava em casar ter dinheiro e família. A menina em plumas sonhava na janela em sumir à tardinha com cada revoada que ia. Caminhos cruzados, caminhos contrários, foram descalços escapulindo a cada dia. Até que numa primavera de sol, no quarto iluminado não se ouviu mais piu, nem mais bom-dia. Onde foi o passarinho que até pouco se vestia? Já com óculos, barba e garantias saindo do banheiro para ganhar a vida não mais encontrou a menina. Desesperado, procurou até no armário, por onde foi essa menina? Correu para a janela - só da janela podia - e avistando uma revoada estava lá seu amor que partia. Tentando voar caiu no jardim, e correndo como um louco foi gritando: volta pra mim? Tarde demais. Pobre passarinho. Se confundia com os homens do caminho. Chamou um táxi. Mandou seguir aquelas coisas que cantavam. Ainda no trânsito, engarrafamento, ligou para a secretária se desculpando do atraso: Era só o que me faltava, uma relação sem salário. O táxi chegando até onde podia, despediu-se dele que correu como pôde até um morro onde poderia dizer a última mensagem. Uma mensagem de amor para a menina querida. Aqueles lindos pássaros, livres, belos ao vento, fez sentir um certo aperto, um determinado sentimento. Puxou do paletó uma arma e mirou numa ave bem bonita. Aquela era tão bela: Servirão as penas e a carne seria frita. Atirou com maestria. Como nunca se atirou em lugar algum. Matou a pobre vítima com astúcia e valentia. Correndo para ver seu presente fez tudo como planejava. A carne virou um prato, e as penas uma mortalha. Ainda hoje, no carnaval, o rapaz se veste de pássaro sonhando voar como um canário. Assim termina a história que um dia se fez nossa pobre família. Entrou pelo bico, saiu pelo papo, quem quiser outra que conte ao contrário.


*texto dedicado a minha atriz mais bela. Sempre me levas aos mais belos caminhos: "Como Almodóvar". Comi.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Miúdos

Soul Sócrates

Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é este que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca.

Carta - Oração a Maria

Raiça Bomfim

Venho aqui a confessar-te, Maria, não estar arrependida do que hoje é só memória, pois a estrada que uniu-nos me guiou a este lugar em que encontro outras venturas. Se, por amor de quem hoje te acompanha, eu, um dia, pobre humana, maculei-te em pensamento e, ainda àqueles tempos, tua candura d’algum jeito me aplacava, quando agora, cá de longe, vejo-te, a escolhida, tão serena em teu altar, e são outras minhas escolhas nessa vida, não restou mal no que sinto ao recordar-te. Ao olhar pra teu menino, esse teu menino santo, vendo o pai nascer no filho e os espíritos sorrirem, a beleza deu-se ao peito, e à mãe, minha senhora, de olhos brandos, de esperança, quem então não amaria? Acredite em meu intento, eu, Maria como tu, eu, das dores, cujas flechas, sim, sangraram-me teu nome, quando o que julguei ser meu abrigou-se em tua alcova, e cravaram-no tão fundo que até hoje, em alegria, ainda guardo a tua imagem. Pois agora venho a ti pra lhe dizer que o sentimento já é outro e procura tua palavra, pois da sina das Marias compartilho, e compreendo teus pesares, reconheço teus anseios, sei da dor do nosso tempo, da família, das raízes, da nossa velha cidade. Vamos todas nesse enlace, e em nós, ele é pungente, que há marcas que encobertam-se na alma e carecem de desvelo para não redescobrirem-se em postas sob a cruz que carregamos nas torrentes invernais. Se em meu caminho foi-me dada tua presença como a de outras e outros tantos, reconheço nos encontros a esperança desta raça, e ao nosso ainda falta o milagre da ternura. É por isso que aqui venho com lisura e abertos braços a esperar-te num sorriso, pois o laço do destino que uniu-nos, minha amiga, só desata a libertar-nos com um abraço.

Ilustra ação

alexis g.p.b santana

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Barcarola

Ismael Teixeira

Beira do mar. Noite. Lua. O vento folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Pedaços de si voam. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. O meio do mar é a agonia. Distante da utopia do horizonte. Da segurança da terra firme. Sereias. Tormentas. Ele sabe. Insiste. O caderno pára. Frases curtas aparecem. Um texto de pausas. De espera. Paciência. Espera de um barco. A ver surgir no mar. Uma barcarola que de há muito prometia o retorno. Lançada ao deus dará. Marcha na imensidão. Por toda a eternidade. Barcarola. Barcarola. O texto repetia essa nau. Como uma prece. Uma evocação. Um pedido de lamento. No silêncio de quem muito ainda espera. Ele coçava o nariz gelado. Esfregava os olhos. As olheiras cansadas. Há muito tempo. Tempo de noite sem fim. Lançavam-se ao mar todos que não falavam a verdade. Poetas. Loucos. Profetas. Artistas. Mendigos. Filósofos. Doentes. Todos que se negaram dizer a verdade. Naquele tempo havia só uma verdade. Como hoje. E foram ao mar. Todos. Não se sabem quantos barcos desses houveram. Muitos. Talvez. Alguns acreditam que o suficiente para expurgar da terra todos aqueles da mesma ousadia. E expulsaram. Até não sobrar nenhum. Nenhum capaz de inventar outra verdade. O sol continuou sol. O claro continuou claro. O dia continuou dia. Pessoas alegres transpiram. A mesma verdade de todo dia. Beira do mar ou horizonte. Nada estranho. Nenhuma agonia. Noite. Lua. O vento ainda folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. Insiste. Uma barcarola que de há muito prometia voltar. Voltará. Esqueceu um. Apenas um. Voltará.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Escritos sobre a Greve - 6º PARTE

Soul Sócrates

As moças e moços das lojas de grife conduziam os maniquins até o camarim, ali, trocariam as vestimentas e receberiam o roteiro do diretor de arte e fotografia da nova coleção, que nas entrelinhas mandava que fizessem caras e bocas,esboçando um ar melancólico e distraído. Com os olhos voltados para o horizonte, retornariam até a vitrine - andando feito emas- após serem devidamente maquiadas e assumiriam, definitivamente, o lugar dos centros de meteorologia, indicando a mudança de estação, desempregando milhares de moças que um dia esperavam ser ancôras do telejornal das oito horas. Era o último sinal necessário para os dirigentes majoritários do partido maior anunciarem aos alto-falantes e aos carros de som, a abertura do cadastramento final dos participantes do nonogésimo simpósio vermelho cor de esperança. E quem era o primeiro e único da fila. O menino de braços cruzados, que aguardava a escrivã fulana de tal completar o último mover do mouse para finalizar uma jogada de um game curiosamente apelidado de paciência. O semblante preocupado e tenso de outrora mudou na mesma medida das partes aparentemente desconexas desta narrativa, que encontrou no artifício do ocultamento a fórmula do suspense, capaz de segurar a atenção do leitor até a parte posterior desses Escritos sobre a greve, que irá revelar, quem sabe na próxima leitura, qual será a palavra cantarolada pela imensa massa silenciosa filiada ao partido maior.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE
Escritos sobre a Greve - 5º PARTE

Escritos sobre a greve - 5º PARTE

Soul Sócrates

Com pressa nas estribeiras, corria amendrontado pela via principal, braços encolhidos, pernas truncadas, cabeça baixa. Os signos e os sentidos daquele folheto pertubavam cada vírgula da sua cuca, que desabituada ao exercício das respostas, procurava encontrar - uma incerteza que fosse - naqueles escritos, pois, era na dúvida que ele existia. Nunca procurou um mundo pronto, nem tinha qualquer pretensão - ao realizar tantas perguntas - de formular uma teoria que abarcasse em sua totalidade a imensa e complexa contradição presente na realidade. Mas, tudo estava latente e tilintava como uma torneira semi-aberta na pia de lavar pratos que se tornou a sua mente. Ao ler e sentir a retina aprofundar linha por linha, o menino pós - engessamento começou a andar em círculos e esperar que as palavras repousassem sobre as vísceras do seu pensamento. Elas fervilhavam, pulavam, cantavam, marchavam íngremes sobre a alvorada da razão, que explodia os porões da inconsciência, condenando os sonhos, a fé e a esperança à uma mensagem chamada verdade. Sem versões, ângulo, perspectiva, juízo, lado, sinopse, resumo ou interpretação. Pura, insossa, seca, direta e objetiva. A verdade veio inteira, sem atalhos ou qualquer mapa para indicar o caminho. Era ela e pronto. Estava decidido. O nonagésimo simpósio do partido maior seria marcado pelo grito da palavra. O manifesto, o estatuto, as cartas, o regimento interno do partido, as teses, as resoluções e emendas, tudo estava fadado ao fim. Assim dizia a mensagem. A desconstrução, o desbotamento, o rosto incolor e pálido daquele menino entristecia até mesmo o mais bobo dos palhaços, que não tinha sequer o gesso branco e rígido sobre o braço dormente a disposição para escrever qualquer coisa alegre ou engraçada, capaz de abrir um sorriso, mesmo que de canto de boca, amarelo ou cor parecida no semblante fúnebre que tomava pouco a pouco a forma predominante da sua face. A verdade tomou-lhe a alma e a palavra adormecida contava os dias para ser pronunciada novamente. Depois de ler o panfleto descartável, o menino e os palhaços postos "logo atrás" por acaso, descobriram até mesmo por quem seria dita a palavra inaudita, mas, não acreditavam. Sem ataduras, esparadapos ou qualquer curativo, o menino teria sido resignado a concretizar a façanha. E os palhaços. Os palhaços surgiram por acaso, como numa cena ionesca.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Partitura - Estudo 1 Menuetto

Ismael Teixeira

Caras mãos. Mãos bailarinas. Sufocam e matam o silêncio. Num gesto mudo. Leve. Ríspido. Caras mãos. Mãos sozinhas. Dançam. Dançam. A música que nasce de suas acrobacias. Mãos cegas. Surdas. Mãos sem guia. Seguem nuas. Calmas. Em agonia. Vejo-as saírem porta afora. Vejo-as voarem vento agora. Janelas. Palácios. Tabernas. Vejam-nas. Vejam-nas suarem como dia. Vejam-nas como desfalecem. Tremem. Tremem. Tremem. Histórias inteiras sem voz. Caras Mãos. Mãos que chamam em linguagem dos surdos as lágrimas. Chamam pelas almas. Esquecidas. Caras mãos. Musicais. Musicais. Distraídas.

Está bom?

Penso que o início está interessante. Gosto de peças em dó maior. Entretanto a virada. Na virada poderia haver uma quebra. Poderíamos entrar com outro tema. As mãos poderiam ficar violentas. Uma quebra com um si bemol. Variações de violino. Com entradas de um grave ao fundo. Marcação de um compasso lento, pausa e voltamos ao tema inicial.

O que acha?

Mãos. Dissentes. Mãos. Dissentes. Mãos. Deveras sentes. Dissidentes. Outras. Cão. Mãos. Flechas de mãos. Rubra. Noite. Rubra. Açoites. Gemes. Mãos. Não. Não. Não.

Assim?

Sim. Sim. Continue.