sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Guerra n’água, nossa irmã

Raiça Bomfim

Vai coser vestes de mar

Tacar o remo na muralha
Inundar esses regaços
Salgar a língua deles tudo
Botar fé no que rebenta
E se atrever
- a roda, o amor, a lida -
Puxa a isca da sede e simbora
Fazer sol

Todo suor nos requisita

O agora

Katherine Funke

Metrô, o navio negreiro, aporta na estação. Din-don, as portas abrem para o mundo. Sair. Escadas. Mais escadas. Uma gota de suor desliza pelo lado direito da testa, rumo ao pescoço. Relógios marcam meio-dia; o sol quente faz tremeluzir o brilho do asfalto. Edson caminha louco de fome e de sede até seu micro-esconderijo no oitavo andar. Sobe um perfume de pastel de carne no caminho do prédio - um, dois no saquinho plástico - almoço barato. Edson dá cinco reais, o vendedor devolve um e oferece um refri de brinde. Maravilha. Sorrisos, obrigado, eu que agradeço, até. Elevador chega. Chave na porta. Senta no sofá. Come os pastéis. Deita para um cochilo. Está feliz e pensa: "Sentir o agora - e só". E cochila até as duas.

Avenida Paralela

Sócrates Santana
A cidade é quente e passageira na Avenida Paralela. Nela as pessoas são objetos, os carros sujeitos. Trocam de lugar quando um corpo está no chão e o capô sujo de sangue. Ao redor uma cortina de outdoors encobre a tragédia dos condomínios fechados. Sem pessoas nas janelas, a cidade não sorri. Não vê as encruzilhadas, os carros pretos e o poder que circunda os urubus. Não vê a carniça, a macumba e os cães que ladram mais não mordem. A cidade é passageira na Avenida Paralela. A vida é efêmera, a paisagem é uma vitrine e as pessoas, as pessoas, as pessoas...morrem e param o trânsito.