sexta-feira, 19 de setembro de 2008

O futuro

Sócrates Santana
O dia amanheceu feliz. As pessoas estavam nas ruas. Os sorrisos eram como flores. E a única sensação de tristeza, ficava por conta da nostalgia do outono. O sol invadia a janela e as mãos escondiam o rosto inevitável da manhã, que despertava de um sono profundo. Da escuridão das sombras. Das fotografias em preto e branco. Adeus passado.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Sem título.

Ismael Teixeira

Nada mais. Estrelas.

Na fila com João

Sócrates Santana
A vitrola toca João Gilberto. As pessoas sentam e escutam. Ainda há movimento. O burburinho, os beijos frívolos, os abraços desengonçados. O teatro está lotado. As pessoas sentam e escutam a vitrola de João. Um raio de luz emudece o público. Desligam a vitrola. O palco apagado pela escuridão reaparece. Um violão. Ao centro. E só. Aos poucos o silêncio prevalece. Um murmúrio ali, um tropeço acolá. "Vai começar", alguém arrisca. Um novo raio de luz. Uma cadeira. Logo ao lado do violão. A expectativa aumenta. As mulheres, todas elas, ainda se acomodavam nas poltronas. Mais um rastro de luz. Eis um microfone: "Só falta o João", certamente teriam dito, caso o João não surgisse entre aplausos e assovios. Agora era o João quem sentava e escutava o que antes dele estava vazio. O João carioca, nova-iorquino, parisiense, japonês seria agora, o João de todos.

Era tudo um sonho. Um devaneio ensolarado de um jovem de 26 anos, que acreditava na democracia das filas. Afinal de contas, a lógica é simples, desde criança aprendemos: "Quem vai chegando vai ficando atrás". Mas, a fila não andou. Um "palpite infeliz" de meu pai, coitado. "Pode ir filho. Tem ingresso para todos. Lá no Rio de Janeiro até Caetano e Gil tiveram que pegar fila, não vai ser diferente por aqui". É pai, velho Bira Santana. Não será desta vez que iremos ouvir - juntos - o João.

Só não entendo por que Madame mudou de uma hora para outra. Nunca gostou de samba, nunca levantou um único viaduto para o João. Por que, logo na minha vez, ela resolve assistir um espetáculo do João. No tempo da crítica de rádio, Magdala da Gama de Oliveira, o "samba" era "música barata, sem nenhum valor". Jamais correria o risco de enfrentar uma fila por sete horas - nove dias antes do espetáculo - e ficar sem o bilhete. Resta sonhar com uma nova apresentação, quem sabe em um novo teatro com o nome João Gilberto. Afinal são novos tempos, tempo do governador bossa nova.

Quem sabe um belo teatro. Na bilheteria, uma estátua de bronze, que faz companhia para quem ainda tenta comprar ingressos. Óculos de aro, testa franzina, terno de linho e violão no colo. No salão, a discografia completa da obra deste nobre cidadão de Curaçá. Uma série de painéis expõem momentos marcantes da sua carreira em vídeo. Em vitrines espalhadas pelo corredor, podemos contemplar violões doados pelo próprio João para a exposição. No palco, um microfone único para as apresentações: o microfone AKG 414. Mas, talvez esteja "sonhando, sonhando mil horas sem fim". Porque, fiquei com cara de tacho naquela fila, com "gente passando sorrindo, zombando de mim".

* Sócrates Gomes Pereira Bittencourt Santana é jornalista e estava na fila do TCA no último dia 26 de agosto desde as 5h.