Raiça Bonfim
Nós dois viajamos juntos uma vez apenas.
Fomos para perto, pouca estrada até lá.
Vento e estrelas saberiam do contrário:
Nós dois, juntos, não deixamos de viajar.
Rente às águas, entre almas, pelos mundos,
Descobrimos cem mil línguas para os sonhos
Conservadas na bagagem dos segredos.
Bicicletas nos levavam nas garupas
E era noite, não por falta de alegria ou
De aurora. Por ser longe que eram noites.
Velhos parques davam o pulso do caminho
E estreávamos bailado de partida,
Meio a acenos de jardins que nos seguiam.
A infância, sempre o termo das paragens,
E a velhice, adjunta, e a velhice
Suscitavam os carretéis de nossa trama
Vez por outra, se corria morrer juntos,
Brenhazinha, abrolhávamos na relva,
Sob a música estrelar do crescimento.
Se algum porto ou minuto, nos brecasse
Pro cinema, algum filme se faria
Mas nós, juntos, era só fazer memória:
Nós dois, juntos, não deixamos de viajar.
Só silêncio pressentiu nossa passagem...
Nós dois, de tanto viajarmos juntos,
Nunca mais deixamos de, juntos, estar.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
terça-feira, 15 de abril de 2008
Último verso
Ismael teixeira
flor morta
flor morta
porque ainda vives?
se na calçada
atrás da porta
até no último encanto viste!
lírios a derramar meu pranto
branco numa noite triste
volto para casa num acalanto
como um anjo que no fino ardor se abriste
peço que não chore minha amada
no último verso do que restou da guerra
deixo que a vida é juntar desgraça
e saudade para quem foi poeta
flor morta
flor morta
porque ainda vives?
se na calçada
atrás da porta
até no último encanto viste!
lírios a derramar meu pranto
branco numa noite triste
volto para casa num acalanto
como um anjo que no fino ardor se abriste
peço que não chore minha amada
no último verso do que restou da guerra
deixo que a vida é juntar desgraça
e saudade para quem foi poeta
quarta-feira, 9 de abril de 2008
Aniversário
Raiça Bomfim
19 de março
Dia de São José
Dia de plantar milho pra colher no São João
Iansã, minha madrinha, ressoa no céu
(era quarta-feira também quando nasci)
São Pedro manda mais água
São José, banhado nela, fertiliza o chão
E dá a benção à família
Ao matrimônio
Às mães
Às marias
(e eu quase fui uma
Acabei Raiça e deu no mesmo)
Dia de peixes
As águas de março fecham o verão
O ano zodiacal vai dando adeus
E eu, de joelhos,
Peço a Odoyá, minha mãe,
Que me proteja
Artesãos comemoram seu dia
Talhando mulheres em madeira
Outros insistem no barro
Eu insisto em tanta coisa...
19 de março
O tempo mostra-me os dentes
Eu estremeço de riso e dor.
(Meu São José, abençoa minha família,
meu lar, meu ventre, meus anéis
Oxum, guarda minhas costas, meus olhos,
minhas águas
Ogum, dá-me coragem e força pra esse ano que começa).
Era um março como esse
Quando nasci perto do bosque
Mãe me pegou pro mar
É tanta água prum dia só
Acho que estou pra chorar...
19 de março
Dia de São José
Dia de plantar milho pra colher no São João
Iansã, minha madrinha, ressoa no céu
(era quarta-feira também quando nasci)
São Pedro manda mais água
São José, banhado nela, fertiliza o chão
E dá a benção à família
Ao matrimônio
Às mães
Às marias
(e eu quase fui uma
Acabei Raiça e deu no mesmo)
Dia de peixes
As águas de março fecham o verão
O ano zodiacal vai dando adeus
E eu, de joelhos,
Peço a Odoyá, minha mãe,
Que me proteja
Artesãos comemoram seu dia
Talhando mulheres em madeira
Outros insistem no barro
Eu insisto em tanta coisa...
19 de março
O tempo mostra-me os dentes
Eu estremeço de riso e dor.
(Meu São José, abençoa minha família,
meu lar, meu ventre, meus anéis
Oxum, guarda minhas costas, meus olhos,
minhas águas
Ogum, dá-me coragem e força pra esse ano que começa).
Era um março como esse
Quando nasci perto do bosque
Mãe me pegou pro mar
É tanta água prum dia só
Acho que estou pra chorar...
segunda-feira, 7 de abril de 2008
O que fica
Soul Sócrates
A inconfidência das palavras. Não falam. Não gemem. Tateam sobre o sentimento.
Não dizem. Se quer calam.
Porém, corroem o tempo. As únicas que o contém em si.
Por elas ele não passa. Fica.
Como quem inicia uma despedida, mas desiste. Venha. Vamos. Fique.
E ele obedece, não resiste.
Os lençois. Os travesseiros.
Todos lhe querem. Todos lhe cobrem.
E ela - abusada palavra - recolhe as flores, as frases.
Todas por ela - que não tem voz e nem lugar.
Se perdem. Invisíveis, coitadas.
Admiradas e usadas por poetas.
Pobres meretrizes.
Possuem as horas, esticam o tempo.
Mas delas sobram apenas os suspiros de quem não disse, escreveu.
A inconfidência das palavras. Não falam. Não gemem. Tateam sobre o sentimento.
Não dizem. Se quer calam.
Porém, corroem o tempo. As únicas que o contém em si.
Por elas ele não passa. Fica.
Como quem inicia uma despedida, mas desiste. Venha. Vamos. Fique.
E ele obedece, não resiste.
Os lençois. Os travesseiros.
Todos lhe querem. Todos lhe cobrem.
E ela - abusada palavra - recolhe as flores, as frases.
Todas por ela - que não tem voz e nem lugar.
Se perdem. Invisíveis, coitadas.
Admiradas e usadas por poetas.
Pobres meretrizes.
Possuem as horas, esticam o tempo.
Mas delas sobram apenas os suspiros de quem não disse, escreveu.
domingo, 6 de abril de 2008
Um segundo na estrada
Ismael Teixeira
As primeiras palavras da manhã são as mais puras da alma. Não se apresse minha amiga. Talvez meu silêncio nos preserve. Ainda há muita terra para guardar. Acordei a manhã com um banjo velho esperando no horizonte um sinal para onde outro dia irá chegar. Não se sabe quantos mundos já encheram esse sapato velho, quantos pés irão ainda por andar, melhor nem pensar. Você acorda e a manhã está tão bela. Passei a noite preparando ela. Tirei o sol do meu casaco. Não se apresse minha amiga. Ainda restam muitas manhãs para sonhar. O chapéu descansa as idéias quentes na minha cabeça, mas o corpo me aperta feroz para desaparecer na estrada. Deixo para trás cheiro de cavalo e sertão suado na sua pele fria. Não se vista mulher. Guarde o mesmo desejo para outro dia. As primeiras palavras da manhã são as mais puras da alma. As minhas começam nesse mar amarelo. Seu coração é um copo de água, o meu somente o deserto.
As primeiras palavras da manhã são as mais puras da alma. Não se apresse minha amiga. Talvez meu silêncio nos preserve. Ainda há muita terra para guardar. Acordei a manhã com um banjo velho esperando no horizonte um sinal para onde outro dia irá chegar. Não se sabe quantos mundos já encheram esse sapato velho, quantos pés irão ainda por andar, melhor nem pensar. Você acorda e a manhã está tão bela. Passei a noite preparando ela. Tirei o sol do meu casaco. Não se apresse minha amiga. Ainda restam muitas manhãs para sonhar. O chapéu descansa as idéias quentes na minha cabeça, mas o corpo me aperta feroz para desaparecer na estrada. Deixo para trás cheiro de cavalo e sertão suado na sua pele fria. Não se vista mulher. Guarde o mesmo desejo para outro dia. As primeiras palavras da manhã são as mais puras da alma. As minhas começam nesse mar amarelo. Seu coração é um copo de água, o meu somente o deserto.
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