terça-feira, 31 de julho de 2007
O tempo e as horas
Para um escritor a vida leva até a beira de um rio. Para quem não é. Também. Sabino afirma que o tempo é conhecido depois dos trinta. Antes disso a luta é pelo espaço. Tempo é a diferença entre a idéia de um peixe e o peixe preso ao anzol. Assim como as palavras são para o papel. Poucos conhecem o tempo. Meu personagem de hoje foge a regra. E, contrariando Sabino, ele conhece ainda antes dos trinta. Ao caminhar numa rua antiga, certa feita, sentiu que o vento que tocava seu rosto e arrastava as folhas também tinha seu tempo. E, se hoje acariciava pessoas, musicava e coloria ruas antigas é porque aprendeu a ser gentil com a rudeza das auroras. Desde muito jovem meu personagem aprendeu que o tempo vive no mar. Num ponto qualquer entre as ondas e o horizonte. Dessa forma nunca precisou acelerar o coração antes da hora. Desde muito cedo percebia o momento em que as crianças deixavam de sorrir com certo brilho no olho para mentir. Ou mesmo quando um jovem deixava de sonhar para viver. Esse tempo que escapa nas pessoas era o tempo que nele havia. Talvez, seria um motivo pelo qual sempre se notava em seu jeito uma figura sem traço. E, portanto, assim, nenhum escritor teve a ousadia ainda de descrevê-lo. Peço desculpas por não saber ao menos o seu sexo. Mas tenho certeza, caso tiverem sorte de encontrá-lo, notarão que suas vestes estão sempre úmidas. Ele ou ela sabe que para um escritor a vida leva sempre até a beira do rio. E para quem não é. Também.
*Texto dedicado a uma grande amiga-tempo. Babi.
segunda-feira, 30 de julho de 2007
Humores de um amor declarado
Sim, meu amor, eu me pinto
Com as cores que você pedir
Pra que você veja meu rosto
Por todo caminho que seguir
É, meu amor, eu confesso
Revelo desejos escusos
Pra que você olhe tão fundo
Que cegue de amor só por mim
Deixa, amor, que eu assumo
Eu tiro de ti toda a culpa
Pra que você, leve, passeie
No céu de minha boca desnuda
Amor, eu te mostro meus medos
Te entrego meus pontos mais fracos
Pra que, ao querer proteger-me,
Você me conserve em seus braços
Também te demonstro minha força
Te provo o quão muito que eu posso
Pra que você, frágil e cansado,
Se entregue, chorando, a meu colo
Vê, meu amor, sou perversa
Te rodo e te jogo em minha festa
Pra que você, tonto e confuso,
Se perca, gozando, em meu mundo
domingo, 29 de julho de 2007
Crônica que ninguém ver
Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Era uma tarde comum. E um velho jornalista, como eu, sabe que em tardes comuns um olhar atento pode ver o monstro emergir da lagoa. Naquela tarde avistei muitas pessoas passarem naquela rua comum. Defronte estava uma praça sem graça. Nela um rapaz falava aos berros no celular sendo esticado por seu cachorro que latia para o cachorro de uma garota aparentemente atrasada. Adiante um quartel. Sentinelas estáticas durante horas em posição de guerra. O vento passava e acariciava minha penugem branca. Fim de tarde. Observava como quem conhecia a vida de todas elas. Uma pobre tarde comum. Muitas pessoas que passavam também eram comuns. Algumas passavam olhando para o chão. Outras pareciam estar em lugar nenhum. Muitas pessoas eram mulheres e avistava todas com meu olhar de velho jornalista. Algumas me notaram. Outras não. Todas passaram. Mas uma não. Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Ela parou. Olhou o que nele havia. Pegou uma garrafa plástica. Colocou no saco. Numa fração de segundos encontrou meu olhar da sacada da janela. Sorriu. Sorri de volta. E foi embora arrastando seu corpo cansado. Por fim. Olhei novamente para a tarde comum. Fechei a janela e escrevi o que está lendo agora.
sábado, 28 de julho de 2007
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE
Os objetos, coisas e carros passavam por ele enquanto assistia taciturno um mar de dúvidas e certezas serem dissolvidas por uma pequena peça publicitária plástica, que não era originária em sua composição química das novas técnicas de desenvolvimento sustentável sugeridas pelos programas nacionais de conscientização, nem tão pouco seguia as orientações dos manuais de reciclagem e aproveitamento de bens renováveis fornecidos por organizações não governamentais, mas, que carregava no conteúdo todos os critérios relevantes para o entendimento de uma mensagem, tese, argumento e conclusão. O menino de braço dolorido tomava conhecimento de uma rebelião, uma revolta, um motim que pretendia entoar no nonagésimo simpósio do partido maior uma palavra que caiu em desuso, perdeu o prazo de validade e foi protocolada e arquivada no cartório dos termos desprezados pela memória coletiva. Ergueu a cabeça, olhou em volta e percebeu entre os nebulosos e escuros becos sem saída da avenida jornalista beltrano sobrinho e terceiro, espécies de pontos luminosos organizados em pares, como se fossem lobos prontos para pularem sobre a carcaça macia de uma ovelha desgarrada. Voltou a olhar o panfleto e o guardou esbaforido na mochila desbotada que ganhou da namorada há dois anos, e seguiu.
Escritos sobre a Greve - 1º Parte
Escritos sobre a Greve - 2º Parte
Escritos sobre a Greve - 3º Parte
quinta-feira, 26 de julho de 2007
O fim das cidades alta e baixa
A cidade estava em pânico. Faltava trabalho para os que estavam em cima e para os que estavam embaixo. Falamos de Salvador, que como todos sabem é alta e baixa cidade, não apenas no sentido vulgar, quando se quer chamar alguém de baixa (pelos modos que anda), e alta, pela posição social que ocupa. Não. Salvador está dividida literalmente, se é que cabe em escrita dizer literal, em cidade baixa e alta. Portanto, falta trabalho assim como na terra, assim como no céu, se permitem à analogia agostiniana. Foi então que ocorreu na cabeça do administrador do município um daqueles surtos que por ora parece genial. Vou ser o primeiro a mandar em duas cidades, cortando o desemprego que existe em uma cidade pela metade, assim que dividir o que era um em dois. Esqueceu, contudo, que em proporções, o desemprego será o mesmo, alertou um assessor atento. Não, teria gritado, como quem defende uma idéia incontestável, quase que nascida pronta, pois como todos sabem este homem faz parte do grupo dos escolhidos. Ao dividirmos a cidade, iremos identificar em qual das duas existem mais desempregados. A que tem menos irá ficar feliz por se livrar da outra e a que tem mais irá ficar alegre pela concorrência ter diminuído. E como iremos explicar ao povo o motivo da separação. Disso resolvo eu, basta dizermos para uns isto e para outros aquilo, está explicado e aprovado no conselho geral do município, e é lei a partir do instante que minha excelência bater o martelo e é agora que faço. Estava feito. E como iremos separar a cidade. A cidade é dividida por natureza, basta oficializarmos o trabalho feito por Deus, reparando apenas os desleixos deixados por Ele. Afinal de contas para quê Ele teria nos criado senão para consertar uma coisa aqui e outra ali. Eliminamos as ladeiras que ligam o de cima ao de baixo. E assim foi. Os que em cima estavam receberam o comunicado em casa com os seguintes dizeres do administrador geral, Se assim Deus quis, pela Sua Própria mão, deixá-los mais perto dos céus, não serei eu que continuarei mantendo uma ligação ainda maior com o inferno, que, como todos sabem, fica na parte de baixo. E os que em baixo moram, leram o seguinte, Assim como foi edificada a primeira igreja na rocha, assim deve ser a nossa primeira cidade, pois, sim, já que quando as caravelas avistaram essas terras foi a esta terra que primeiro pisaram, havendo de ser esta a primeira cidade, não podendo ser nem mais baixa nem mais alta, mas a primeira e única. Entre uma e outra ficaram os que ali sempre estiveram, agora, mais do que nunca, sem endereços e com prazo determinado para tê-lo. Numa ladeira não existem os de cima e os de baixo, há, no máximo os que mais perto ou distante estão de ambos os lados. E o administrador geral comemorou como se tivesse feito coisas de sábio, coisas de Salomão.
quinta-feira, 19 de julho de 2007
Sem título
Não. Não me escreva. Hoje quero ficar na escuridão. Onde dorme a calma das palavras. O não ser das certezas. Não. Não me escreva. Tu que podes inventar São Franciscos em terrenos baldios. Molhar a água. Derrapar navios em chamas. Não. Não me escreva. Eu sei. Não sabes. Os personagens também amam distantes das prateleiras. Sonham sem precisar de metáforas. Eu sei. Não sabes. Que enquanto inventas dramas daçamos atrás dos sonetos. E quando rasuras e apagas. Reinventas uma nova beleza, aqui, desse lado, não sabes. Mas poluiu uma cidade inteira. Eu sei. Não sabes. Julgas saber que escreves. Sintaxes, elipses perfeitas. Saiba. Não somos negros. Brancos. Nem usamos óculos. Não matamos e nem morremos. São tuas velhas certezas. Eu sei. Não sabes. Um dia vais perceber. Quando escreves já é tarde. Tarde demais para saber. Nesse dia deixarás as folhas. Os verbos e os nomes. Em paz. Verás que antes há sempre um alguém que escreve. E quem te escreve também não sabe. Se engana. E refaz. Não. Não me escreva. Não percebes que continuamos tuas poesias? Que também sentimos. Que também cheiramos. Que também estamos? Todos nós. Antes e depois do pincel.
Escritos sobre a greve – 3º PARTE
Refeito das dores no braço pós-engessamento e do estado de perplexidade provocado pelas incomodas assinaturas contidas no livro vermelho, o menino ainda escondia a esperança de encontrar uma explicação para tantos episódios e decisões tomadas sem aviso prévio ou qualquer ordem de despacho. Vagou pelas calçadas e passou pelas sinaleiras sem prestar atenção nos ultraaparelhos de tevê expostos nos bares, todos programados para disponibilizar o mais variado número de canais, mas que, no entanto, estavam sintonizados apenas em um, que apresentava justamente os letreiros e os jingles criados para a realização do nonagésimo Simpósio do partido maior. Foi quando tropeçou num devaneio, e deixou de ouvir um ancião barbudo esbravejar anedotas bíblicas, desfazendo dos avanços tecnológicos e das infinitas possibilidades dispostas pela contemporaneidade, assim como das vidraças arrebentadas por outros meninos como ele, que lançavam sobre as janelas das igrejas católicas e evangélicas os velhos coquetéis molotoves e pedregulhos arrancados das próprias vias da avenida jornalista beltrano sobrinho e terceiro. Até que parou rarefeito sobre um folder colado na calçada que fora corroído e deteriorado pelas freqüentes mudanças climáticas comuns aqueles tempos, esfregou os olhos e se inclinou para vê o que estava escrito. Leu uma mensagem que apresentava interrogaçõs muito semelhantes as que havia feito durante a última Assembléia Geral, e que formulava muitas reflexões e prováveis respostas, algo que não poderia encontrar nos discos e nem nos livros e dados guardados em seu pequeno pen drive. Era assustador.
Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Uma menina virtual
Na leveza das entrelinhas
Das janelas entreabertas
Entre uma noite e um bom dia
nasce uma manhã
clara e azul
loura feito o sol
sem chances de um encontro
se quer um olhar
abafado pela pressa
Sem expectativa
apenas a lembrança virtual de uma cena
uma foto
e nada mais
por que amanhã o espaço físico não se desmancha?
Une o Nordeste ao Sul
tudo ao mesmo tempo
Tudo isso é absurdo
continuo na Bahia
e sou apenas isso:
palavras
quarta-feira, 18 de julho de 2007
"Quem não reage, rasteja”
Baixios das Bestas de Cláudio Assis (Amarelo Manga) é um filme essencial, cruel, violento, porém real. Não no sentido de uma representação fiel da realidade, mas com uma verossimilhança incrível, quase um espelho da atual juventude brasileira. A força e virulência do filme pode até ser desnecessária em alguns momentos, mas como chocar, como refletir sobre uma juventude transviada, “toda perdida”, sem meter o dedo na ferida? Mas se engana quem pensa que o filme de Assis é só isso.
O filme é uma espécie de ensaio sociológico sobre a zona da mata pernambucana, mas que poderia ser um retrato de zona urbana de qualquer grande cidade brasileira, posto que o diretor extrai um rico “material de estudo empírico” sobre a degradação do mundo, sobre a imundice do mundo, como bem disse uma personagem da película. Lá, como cá, a miséria, a prostituição, a mesquinhez, a impunidade etc. corroboram com o estado lamentável da sociedade brasileira.
Cláudio Assis torna-se assim uma figura fundamental, provocadora e extremamente consciente do papel social do cinema na formação simbólica de um povo, levando a tela questionamentos morais sobre quem somos, o que queremos ser e sobre o que esperam de nós.A câmera de Walter Carvalho (Amarelo Manga, Madame Satã) é estática como a situação das personagens. Sem nenhum tipo de perspectiva de futuro, sem esperança, sem mobilidade social e moral. Os poucos movimentos de câmera demonstram um espécie de tentativa, de saída da clausura. Contudo são pequenas, pontuais, que parece não representar nada ante tanta miséria. Os longos planos buscam representar a vida, o cotidiano de uma realidade cruel, imóvel, estatelada, em que caminhar significa chegar a lado nenhum, a coisa nenhuma.
A violência das imagens, para alguns desnecessárias, denota um apavoramento frente a tanta barbárie encenada diariamente diante de nosso olhos. Cenas de curras, espancamentos, nudez, drogas e degenerações de todo tipo assombram alguns poucos que acreditam na inocência das relações sociais. O avô que explora sexualmente a neta, jovens inconseqüentes que matam, abusam sexualmente, usineiros exploradores e cafetinas formam uma sociedade que serve de experimento para Assis. Se em Amarelo Manga, filme anterior do diretor, a violência parecia escorrer pela tela, em Baixios das Bestas, a realidade não parece caber apenas ali, numa tela, por maior que seja.
O filme parece prevê a atual situação da sociedade brasileira, em especial da classe média, antes considerada o sal da terra, café-com-leite, como quem nem cheira nem fede, agora como vilã, como nos fazem acreditar os meios de comunicação de massa. Só agora essa classe média olha para seu umbigo e passa a ser perguntar onde erraram na formação dos seus filhos. O filme de Cláudio Assis responde de forma muito clara: não erraram. O mundo é bom, o problema são as pessoas, e isso Assis deixa bastante claro, que não basta mudar o mundo apenas com a vontade de fazê-lo mais justo apenas, é necessário que sejamos melhores, não que o outro, mas que nós mesmos.
Os agroboys de Cláudio Assis podem até não conhecer os pitboys do Rio de Janeiro que espancaram e roubaram uma empregada domestica por confundi-la com uma garota de programa, entretanto sabem que num país com tantas contradições como o nosso “miséria pouca é bobagem”. Os “garotos” da zona da mata pernambucana são ficcionais, ou não, já os do Rio, infelizmente são bem reais, somos nós travestidos de cordeiros. Baixios das Bestas é um filme essencial, é um filme de quem não intimidar-se, pois como diz o próprio diretor: “quem não reage, rasteja”.
terça-feira, 17 de julho de 2007
O cego, o aleijado e o louco
Para escrever um conto não se precisa de mãos. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei algumas gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente. Maiakovski esquecera das rosas num bar antes de fugir para sempre do seu grande amor. Escrever é um estado ausente e o esquecimento do poeta russo se deu porque escrevia demais. Não podemos amar e escrever ao mesmo tempo. O acordar do tinteiro sobre a mesa. A vela morta nos castiçais são sintomas perigosos. Oscar Wilde denunciou seu fim a um jornalista quando não pôde mais separar sua vida da poesia. Tolo do artista que não entender que sua obra nasceu para não caber nas roupas. Nas palavras tolas de outro alguém. Ficará sem orelha. Hoje, ficarei sem mãos. Para escrever um conto não se precisa delas. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente.
segunda-feira, 16 de julho de 2007
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Depois do bolodório, as mentes ofuscadas pele vã retórica esvaiam feito uma nuvem dispersa por uma tempestade de neurônios comandados para gritarem e cantarolarem palavras de ordem, ordem, ordem, ordem, e seguirem adiante, até o balcão geral. Os rostos desvanecidos eram amontoados e contados por operadores e técnicos e sentinelas e vigilantes e dirigentes e militantes e todos que contavam e tocavam-se mutuamente e simultaneamente, todos que detinham sobre o palmo da mão a presença empoeirada dos companheiros e companheiras empoeirados pela razão absorta dos números. Com este percentual de pessoas nunca visto e que só vivifica o espírito participativo e democrático deste partido foi aprovado isto e aquilo e aquilo outro nesta presente hora desta presente Assembléia. Tantos e tantos e ninguém de fato sabia tão pouco sobre o outro. E saíram em fila polonesa, desaparecendo cada um no clarão das decisões tomadas ali, só o menino com o braço enfaixado permanecendo estático, olhando para o alto, sem compreender quais teriam sido as palavras ditas por um líder pouco visto, que convenceu ou foram ouvidas pelos demais sem um rumor ou sequer uma divergência que não fosse a dele. O menino enfaixado resolveu gritar e pediu a apresentação de um livro que contivesse a assinatura de todos os cadastrados, filiados, registrados, contados e recontados e consultados novamente. Um estalo, um estrondo estaparfúdio embalou o eco e despertou na escuridão um som similar ao de um livro lançado sobre o chão. Um holofote revelou o caminho até uma ata da Assembléia devidamente apresentada com o brasão do partido na capa, e o menino mesmo enfaixado, mesmo apresentando dificuldades, correu até o exemplar e abriu, e viu assinatura por assinatura, inclusive a dele, rabiscadas e autenticadas pela direção do partido, dando por imensa maioria a aprovação de que seria realizada uma nova Assembléia. O menino enfaixado ficou e ficou e ficou, até começar a nova Assembléia. As mesmas perguntas do menino enfaixado e a mesma massa silenciosa e cinzenta aprovou o encaminhamento de uma nova Assembléia e foi assim até a realização inusitada de um Simpósio. E houve uma grande mobilização nas ruas, faixas e panfletos eram vistos no alto e nos postes; o vento arrastava papéis e textos opinativos pelas vielas e na televisão resplandeciam letras e vozes dando nota deste importante acontecimento na história do partido maior. Na internet eram criados espaços mil, pequenas mensagens enviadas via e-mail acirravam o debate e se tornavam públicos os embates e desencontros ideológicos pouco a pouco, na medida em que o vermelho virava roxo, rosa, lilás ou amarelo, na medida em que uma mensagem era mais comentada nos jornais do que a outra, tomando partido desta ou daquela versão e leituras sobre o estado de coisas em foco no cenário internacional. Os ânimos descritos nos textos evocavam uma revolução em curso e permanente, que mostrava o poder de uma organização nunca tão organizada e integrada, nunca tão eficiente, resultante de uma época em que nunca foram produzidos tantos adesivos e comunicados, mas, no entanto, não víamos os nomes por de trás dos textos, não víamos nada além da imagem fria das camisas cheias de sorrisos e belas frases, não víamos o momento em que o menino levantava o braço sem ataduras, nem tão pouco as pessoas assinando livros de presença. Mas, o Simpósio estava perto e as bandeiras erguidas na sede do partido balançavam como se estivessem numa motocicleta a caminho de uma história de amor.
Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
quinta-feira, 12 de julho de 2007
Escritos sobre a greve - 1º Parte
A decisão foi do partido, logo, após os caquinhos serem juntados e como um quebra-cabeça encaixados uns nos outros, sem ausência de partes, iremos retomar a discussão anterior, da qual não deveríamos ter saído, mas, talvez por receio ou sapiência de que seria um árduo debate, deixamos para o final, lugar, contudo, onde não podemos parar, já que se nele chegamos depois de termos discutido o meio e o início, não é direito, ainda que a reunião seja da esquerda, ficarmos olhando para uns e outros como se estivéssemos nos conhecendo agora, fato que não é possível, porque todas as cerimônias já foram feitas na etapa inicial entre o início e o meio, então, comecemos o último fórum. O menino de braço enfaixado levantou o braço bom e perguntou, de que vale fazer um debate a essa hora, eram onze da noite, se não podemos enxergar de fato as decisões de um partido que se esfacela diante de nossas opiniões sem que seja possível juntá-las em uma só, e mesmo se fosse possível fazer tal proeza, como mostrá-la no meio dessa escuridão ? Próxima pergunta. O menino com braço enfaixado ergueu o braço sem ataduras novamente e perguntou como é possível guardar todas as palavras que fez sem anotá-las, e, se assim é, como solucionar a impossibilidade de escrever qualquer coisa no escuro e depois tornar possível a sua leitura em seguida, não seria sensato discutir a primeira pergunta antes que o sentido dela se perca na escuridão das palavras sem escrita? Irritado, o líder que não era visto, mas contava com a crença de que todos que estavam ali (ou não) o viam, respondeu para uma massa cinzenta.
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
domingo, 8 de julho de 2007
Doutor Trombone
Arre égua coração, não precisa “martratar”, não está certo tal desfecho, mas ensejo, um desejo só, nem precisa explicar. Alivia nas esporas, desata os “nó” e acorda, hoje é seu Varjão é quem vai contar. Uma estória descabida, trazida do sertão. Onde areia é terra seca e bala é desviada com facão.
Minha neta, uma menina, uma moça feito flor, sentia no peito uma agonia, uma “ardura”, e de quando em quando gritava e dizia:
Tô sentindo dor! Avexado eu respondia:
Tenha calma minha “fia”, já chamei o doutor.
E minha neta, coitadinha, dava pena, só vendo, nunca vi uma menina, parecia trepadeira, se contorcia feito flor.
E com uma maleta toda preta, com anel de ouro pra confirmar, o doutor lá da esquina, veio depressa, foi só chamar. Examinou a minha neta e pediu pra preparar, um chá de romã e sem demora retrucou:
Conheço essa “mardita”. Mas amanhã, tenho certeza, a doença acabou.
Foram dois, três, quatro dias e nada, a danada não passou. Liguei pra meu primo, médico, também na cidade chamado de doutor, pra vim correndo pra Bahia, aqui, para o interior.
Paripiranga era o destino do meu primo, que quando menino brincava de estudar. Pra seu espanto severino, encontrou o seu amigo, doutor daquele lugar, ao lado da minha neta com dois terços à orar.
O que se passa meu senhor?
Ora essa meu amigo, não percebe. Não sou senhor, sou doutor, aqui meu anel.
Como tal, doutor que se diz, o que faz com um terço na mão?
Oração nunca é demais, não tendo jeito, em Paripiranga, é assim que se faz.
Então me diga, agora em paz, o que tem a minha sobrinha?
Incerto, o doutor da esquina arriscou, só de ouvir falar, de uma tal de trombose e sem rodeios diagnosticou:
É trombone, falou com firmeza.
O meu primo, constrangido com a certeza, pôs o ouvido no peito da sobrinha e com ironia ele brincou:
Se for mesmo trombone, ele está tocando muito baixo.
Obs: um texto criado após um comentário sabido e uma homenagem ao meu pai e ao meu avô, Olímpio Varjão.
sexta-feira, 6 de julho de 2007
Cinela
Minha casa tem uma janela. Não que não houvesse outras, mas penso que janela só é janela quando olhamos através dela e nos sentimos sós. Essa não ficava no quarto, nem na sala. Era uma janela sem importância alguma. Fazia parte de um quartinho inóspito que guardava minha coleção de dicionários. Certo dia, aqueles dias que acordamos para dentro, faltei o trabalho por indisposição crônica e passei a organizar meus dicionários por ordem alfabética. Naturalmente, como sempre faço, tirei meus óculos para limpá-los, e como por um estalo, redescobri com meus 4,5 graus de miopia, a janela esquecida. Nunca fui uma apreciadora de janelas. Geralmente as uso como todo mundo. Olho o tempo, fecho por causa da chuva ou do sol, ou mesmo para ventilar o ambiente. Mas, confesso que com essa adquiri um certo apego emocional. Mais tarde, nos momentos que passei a divagar ao teu lado denominei-a Cinela. Bem leitor. Deve está se perguntando por que Cinela. O que ela tinha de tão especial. Peço que não pergunte. Apenas ouça. Deparei-me com um emaranhado de outras janelas. Era um prédio decadente que tinha atrás do meu. A visão desagradável me lembrou o porquê nunca tinha me importando com aquele lado do mundo. Entretanto, o que se ignora é o que se mais precisa, e ao colocar de novo os óculos, passeando meu olhar voyeur a procura de alguma verossimilhança com as novelas de Nelson Rodrigues me deparei com uma cena pitoresca. Numa sala vazia um quadro. Um quadro branco ao fundo voltado para minha janela. Como se Dali tivesse dirigido aquele momento jurei voltar no dia seguinte. Acordei pela manhã e as atribulações me tomaram de tal forma que fui me lembrar da janela dias depois ao ler Maiakovski. Não sei o que o poeta tem haver com janela, com quadro, ou um quadro na janela, mas corri para ver, ou sentir, aquela imagem outra vez. Espanto. Havia uma mulher. Parecia uma mulher. Não sei. Se for. Quem será? Jurei comprar um binóculo. No outro dia estava com um binóculo em mãos, e desde o trabalho já pensara na imagem borrada que guardei na lembrança. Parecia uma mulher. Chegando em casa não fiz nada a não ser correr para identificar a imagem. Sim. Era uma mulher. Era uma mulher incompleta, mas era uma mulher. Pensei. Meu Deus. Verifiquei o ambiente ao redor do quadro. Havia apenas o quadro. No dia seguinte o quadro havia mudado. A pintura parecia bem mais real. E foi ficando à medida que passaram os dias. Quem pintara o quadro? Quem morava ali. Acho que estava ficando obsessiva com aquilo. Precisava de um tempo. Desligar-me dessa idéia. Os dias se passaram e a imagem já não se movia. O quadro não mudou de lugar. Havia ficado estático. Nenhuma mudança mais. Um mês. Dois meses. Decidi perguntar quem era aquele morador misterioso do décimo segundo andar. O porteiro havia me dito que pouco conhecia sua vida. Era um rapaz reservado que havia se mudado ainda aquele ano. Ao retornar para casa jurei abandonar aquilo e cuidar da minha vida. Fui longe demais pensei. Embora não viva sem chocolates, de resto não me acho uma pessoa complicada. Mas confesso que um dia não resisti e voltei a dar uma espiadinha. Observando, havia notado que o pintor misterioso havia colocado uma janela no quadro. Seus cabelos também haviam crescido. Justifico. Acabei tendo uma recaída. Não resisti. Mas, afinal, quem não guarda também suas loucuras? Sem culpa voltei àquela vida. Intriguei-me quando, um dia, já sentada num banco que pus para a ocasião rotineira do pós-trabalho, a mulher parecia mesmo alguém me olhando da janela. Depois de ver e rever como se deparasse a algo familiar, com uma sonora gargalhada. Vi que a imagem que via era eu olhando a janela.
quinta-feira, 5 de julho de 2007
Banidas
Curvas perigosas
Uma cidade feminina
Ruas, travessas, esquinas
Nas calçadas as meninas
Faceiras, danadas e banidas
Para as esposas
bandidas
Para os maridos
despedidas
Vida injusta
Domésticas, manicures
Todas espancadas
Todas putas
quarta-feira, 4 de julho de 2007
Três momentos para o Oscar
Ismael Teixeira
O relógio passa o passageiro corre abre o chuveiro chora morrendo de rir. Bom dia. Bom dia. Liga abre a revista volta bebe o café aposta no time que vai cair. Um momento. Telefone. Bom dia. Bom dia. Levanta senta escreve a pauta da notícia que não é mais notícia de uma notícia que ouviu dizer de alguém. E olhando um quadro abstrato pensa sonha canta lembra outro alguém que pensa também existir. Um momento. Almoço. Fuma traga cospe a fumaça do cigarro objeto de consumo diário que pára o tempo para parar para pensar. Pensa não pensa porque lembra de uma reunião que passa do outro lado da sala e precisa entrar. Entra pára para discutir um tema problema de outros problemas de problemas outros quando se aborrece de um problema que desconhece e desce pelas ruas sem saber onde deixou o carro estacionado ao lado onde sempre deixa o carro. Um momento. Come deita dorme. O relógio passa o passageiro corre abre o chuveiro chora morrendo de rir. Bom dia. Bom dia. Escreve olha o texto antes de começar outro texto e conta três momentos perfeitos no emaranhado de muitos verbos. Sorri olha pensa sorri olha pensa coloca o título Três momentos para o Oscar. Consegui.
terça-feira, 3 de julho de 2007
Uma aliança
Fazia calor em Salvador. Mas, não era dia. Em pé, Antônio Conceição aguardava o buzú na entrada da ladeira do Cabula. Distraído com a mão direita no bolso, tomou um susto consigo mesmo ao lembrar do pão que tinha que comprar.
- Puta que pariu!
Encostada na janela do ônibus, Lurdes Maria olhava cambaleante para a rua. O carro parou. Ia para a Mata Escura. Antônio morava lá. Agarrou-se a porta do transporte e segurou com força. Lurdes se espantou.
- Esses malucos! Ficam fazendo bagunça!
Antônio ignorou. O motorista não queria seguir a viagem enquanto ele não saltasse. Ele batia na lateral do carro com um olhar fixo no retrovisor que refletia a imagem do motorista.
- Arrasta!
Pessoas espremidas gritavam contra e a favor de Antônio.
- Segue essa porra!
- Desce vagabundo!
Lurdes fitava o rosto de Antônio. Até que se ateve a mão esquerda dele. Havia uma aliança.
- Leva motor! É pai de família!
Horas depois todos comiam pelo menos um pão.