Xico Alves
Baixios das Bestas de Cláudio Assis (Amarelo Manga) é um filme essencial, cruel, violento, porém real. Não no sentido de uma representação fiel da realidade, mas com uma verossimilhança incrível, quase um espelho da atual juventude brasileira. A força e virulência do filme pode até ser desnecessária em alguns momentos, mas como chocar, como refletir sobre uma juventude transviada, “toda perdida”, sem meter o dedo na ferida? Mas se engana quem pensa que o filme de Assis é só isso.
O filme é uma espécie de ensaio sociológico sobre a zona da mata pernambucana, mas que poderia ser um retrato de zona urbana de qualquer grande cidade brasileira, posto que o diretor extrai um rico “material de estudo empírico” sobre a degradação do mundo, sobre a imundice do mundo, como bem disse uma personagem da película. Lá, como cá, a miséria, a prostituição, a mesquinhez, a impunidade etc. corroboram com o estado lamentável da sociedade brasileira.
Cláudio Assis torna-se assim uma figura fundamental, provocadora e extremamente consciente do papel social do cinema na formação simbólica de um povo, levando a tela questionamentos morais sobre quem somos, o que queremos ser e sobre o que esperam de nós.A câmera de Walter Carvalho (Amarelo Manga, Madame Satã) é estática como a situação das personagens. Sem nenhum tipo de perspectiva de futuro, sem esperança, sem mobilidade social e moral. Os poucos movimentos de câmera demonstram um espécie de tentativa, de saída da clausura. Contudo são pequenas, pontuais, que parece não representar nada ante tanta miséria. Os longos planos buscam representar a vida, o cotidiano de uma realidade cruel, imóvel, estatelada, em que caminhar significa chegar a lado nenhum, a coisa nenhuma.
A violência das imagens, para alguns desnecessárias, denota um apavoramento frente a tanta barbárie encenada diariamente diante de nosso olhos. Cenas de curras, espancamentos, nudez, drogas e degenerações de todo tipo assombram alguns poucos que acreditam na inocência das relações sociais. O avô que explora sexualmente a neta, jovens inconseqüentes que matam, abusam sexualmente, usineiros exploradores e cafetinas formam uma sociedade que serve de experimento para Assis. Se em Amarelo Manga, filme anterior do diretor, a violência parecia escorrer pela tela, em Baixios das Bestas, a realidade não parece caber apenas ali, numa tela, por maior que seja.
O filme parece prevê a atual situação da sociedade brasileira, em especial da classe média, antes considerada o sal da terra, café-com-leite, como quem nem cheira nem fede, agora como vilã, como nos fazem acreditar os meios de comunicação de massa. Só agora essa classe média olha para seu umbigo e passa a ser perguntar onde erraram na formação dos seus filhos. O filme de Cláudio Assis responde de forma muito clara: não erraram. O mundo é bom, o problema são as pessoas, e isso Assis deixa bastante claro, que não basta mudar o mundo apenas com a vontade de fazê-lo mais justo apenas, é necessário que sejamos melhores, não que o outro, mas que nós mesmos.
Os agroboys de Cláudio Assis podem até não conhecer os pitboys do Rio de Janeiro que espancaram e roubaram uma empregada domestica por confundi-la com uma garota de programa, entretanto sabem que num país com tantas contradições como o nosso “miséria pouca é bobagem”. Os “garotos” da zona da mata pernambucana são ficcionais, ou não, já os do Rio, infelizmente são bem reais, somos nós travestidos de cordeiros. Baixios das Bestas é um filme essencial, é um filme de quem não intimidar-se, pois como diz o próprio diretor: “quem não reage, rasteja”.
quarta-feira, 18 de julho de 2007
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2 comentários:
fiquei surprezo com o texto. Uma crítica literária impecável de uma inteligência que tive o prazer de conviver e trocar experiências. O texto, que embora comece obscuro e vago ganha corpo e profundidade de análise à medida que se desdobra. Mostra, sem dúvida, um bom conhecimento sobre técnica cinematográfica e sociológica além de sensibilidade. Entretanto, talvez por conservadorismo, ou resguardo da proposta do blog, ainda gostaria de ver aqui a arte da escrita por ela mesma. Não que não me interesse textos tão produtivos e críticas de cinema mas que temo por isso aqui virar uma salada de frutas e perca força e sentido. Baixios das Bestas foi um filme que não "li" e, portanto, não pude ler realmente o texto.
isma.
Sem dúvida. O texto foi enviado para a minha caixa de e-mail e tomei a liberdade de ler com atenção e decidi (após consultar o autor) publicar. Também pensei sobre isso. Mas, a profundidade do texto e a abordagem engajada, preencheu minha cabeça com signos e possibilidades. Creio que pode ser o início, na verdade de uma abertura tímida. Quem sabe podemos pensar em uma coluna fixa para falar desta leitura que se apresenta para nós. Não "li" o filme, mas degustei cada palavra concatenada por este autor que vejo crescer intelectualemnte com muito fervor e alegria.
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