soul sócrates
Arre égua coração, não precisa “martratar”, não está certo tal desfecho, mas ensejo, um desejo só, nem precisa explicar. Alivia nas esporas, desata os “nó” e acorda, hoje é seu Varjão é quem vai contar. Uma estória descabida, trazida do sertão. Onde areia é terra seca e bala é desviada com facão.
Minha neta, uma menina, uma moça feito flor, sentia no peito uma agonia, uma “ardura”, e de quando em quando gritava e dizia:
Tô sentindo dor! Avexado eu respondia:
Tenha calma minha “fia”, já chamei o doutor.
E minha neta, coitadinha, dava pena, só vendo, nunca vi uma menina, parecia trepadeira, se contorcia feito flor.
E com uma maleta toda preta, com anel de ouro pra confirmar, o doutor lá da esquina, veio depressa, foi só chamar. Examinou a minha neta e pediu pra preparar, um chá de romã e sem demora retrucou:
Conheço essa “mardita”. Mas amanhã, tenho certeza, a doença acabou.
Foram dois, três, quatro dias e nada, a danada não passou. Liguei pra meu primo, médico, também na cidade chamado de doutor, pra vim correndo pra Bahia, aqui, para o interior.
Paripiranga era o destino do meu primo, que quando menino brincava de estudar. Pra seu espanto severino, encontrou o seu amigo, doutor daquele lugar, ao lado da minha neta com dois terços à orar.
O que se passa meu senhor?
Ora essa meu amigo, não percebe. Não sou senhor, sou doutor, aqui meu anel.
Como tal, doutor que se diz, o que faz com um terço na mão?
Oração nunca é demais, não tendo jeito, em Paripiranga, é assim que se faz.
Então me diga, agora em paz, o que tem a minha sobrinha?
Incerto, o doutor da esquina arriscou, só de ouvir falar, de uma tal de trombose e sem rodeios diagnosticou:
É trombone, falou com firmeza.
O meu primo, constrangido com a certeza, pôs o ouvido no peito da sobrinha e com ironia ele brincou:
Se for mesmo trombone, ele está tocando muito baixo.
Obs: um texto criado após um comentário sabido e uma homenagem ao meu pai e ao meu avô, Olímpio Varjão.
domingo, 8 de julho de 2007
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4 comentários:
risos e aplausos. igual como fazemos após uma peça cômica no teatro com a família sábado à noite. a simplcidade por ora requer cuidado e esses dois fundamentos que muitos filósofos chamaram de "as grandes virtudes" aqui chamo de aula. aula pelo conjunto de fatores que organizados dão profundidade ao texto. Uma obra de arte geralmente brinca com as ambiguidades. Em "Doutor Trombone" essa ambiguidade é notável e justifico. Primeiro, o narrador cede espaço para o personagem principal que toma o fio narrativo. A proposta é um prólogo sertanejo, indicando já ao leitor o formato do texto. Depois a estética cordelizada e a linguagem peculiar regionaliza o conto. Mais informação e riqueza. Por fim a própria história que miscuída de crítica social e ironia afaga e queima os olhos de quem ler. E é aqui que quero chegar. A ironia. A ironia se dá pela ambiguidade.O contraponto aqui se dá entre o doutor e o "doutor". Ironia mordaz, quase satírica. Chega ao clássico.
não resisti sô. li de novo e de novo. até que as vista tive dó. mas que belezura de texto seu escritô!!!
isma.
lendo Foucalt, no domingo à tarde, pensei na arte enquanto experiência notável. Essa experiência, que ao meu ver, é peculiar a cada um, causa naquele que a experiencia uma outra vivência. Discordo do pensamento que a arte não tem utilidade. Tem. Não como uma cadeira ou uma caneta, mas sim, guarda uma função elementar da sua capacidade primitiva de contruir simbolos. É através da arte que a pedra não é pedra, que a cachoeira não é mais cachoeira. E podemos simplesmente ouvir uma cachoeira das formas mais diversas num teatro. Não é por acaso que a arte emerge na vanguarda de toda a mudança de pensamento no mundo primeiramente. A arte é o primeiro sopro intuitivo do que virá. Une os povos na linguagem comum, universal. Na arte se fala a mesma língua. E está previsto que será a arte novamente que norteará o sopro dos novos tempos. quem ver verá.
Lendo o texto do autor senti a vivência do sertão. imaginei o céu azul-anil, o ar quente, a terra dura. De fato vivi isso, quase antropologicamente. As frases me trouxeram esses elementos sinestésicos, como se eu entrasse no bafo das frases dentro da casa abafada do interior agreste. Nostalgia e beleza por viver e não viver. Encanto.
isma.
A arte. Difícil. Certa vez o artista plástico Alexis Santana disse que arte é a capacidade de expressarmos através de uma linguagem a idéia ou a essência que temos do mundo. É a transposição do eu. Ou para os povos ribeirinhos, simplesmente, a revitalização dos nossos sonhos. Algo que casa, acasala o rio de significados (sim) que temos sobre as coisas. Sem dúvida. A arte oferece mais do que prazer-útil. Oferece significado e para o êxtase do poeta Cosme Lima,lógica. Tudo concatenado, mas ao mesmo tempo sujeito e destino da interpretação. A arte enquanto extensão dos sentimentos e das experiências. No entanto, contradizendo o poeta Bira Santana e o poeta Ismael Teixeira não enxergo mais a arte como portadora da tutela concedida por anos pelos profetas e filósofos: parabolizar o mundo, diria meu pai. Os cientistas tentam até hoje assumir esse papel, mas quem vem antevendo o futuro agindo cada vez mais rápido sobre a dinâmica cotidiana são os tecnólogos. É claro que tentamos transportar esses significados através dos elementos convencionais da arte. Certo dia estava no quarto olhando o violão e perguntei para mim mesmo: mais arte convencional? Talvez, seja pessimismo tolo. Talvez, a angústia de um artesão das palavras, trocado pelos códigos binários.
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