Soul Sócrates
Depois do bolodório, as mentes ofuscadas pele vã retórica esvaiam feito uma nuvem dispersa por uma tempestade de neurônios comandados para gritarem e cantarolarem palavras de ordem, ordem, ordem, ordem, e seguirem adiante, até o balcão geral. Os rostos desvanecidos eram amontoados e contados por operadores e técnicos e sentinelas e vigilantes e dirigentes e militantes e todos que contavam e tocavam-se mutuamente e simultaneamente, todos que detinham sobre o palmo da mão a presença empoeirada dos companheiros e companheiras empoeirados pela razão absorta dos números. Com este percentual de pessoas nunca visto e que só vivifica o espírito participativo e democrático deste partido foi aprovado isto e aquilo e aquilo outro nesta presente hora desta presente Assembléia. Tantos e tantos e ninguém de fato sabia tão pouco sobre o outro. E saíram em fila polonesa, desaparecendo cada um no clarão das decisões tomadas ali, só o menino com o braço enfaixado permanecendo estático, olhando para o alto, sem compreender quais teriam sido as palavras ditas por um líder pouco visto, que convenceu ou foram ouvidas pelos demais sem um rumor ou sequer uma divergência que não fosse a dele. O menino enfaixado resolveu gritar e pediu a apresentação de um livro que contivesse a assinatura de todos os cadastrados, filiados, registrados, contados e recontados e consultados novamente. Um estalo, um estrondo estaparfúdio embalou o eco e despertou na escuridão um som similar ao de um livro lançado sobre o chão. Um holofote revelou o caminho até uma ata da Assembléia devidamente apresentada com o brasão do partido na capa, e o menino mesmo enfaixado, mesmo apresentando dificuldades, correu até o exemplar e abriu, e viu assinatura por assinatura, inclusive a dele, rabiscadas e autenticadas pela direção do partido, dando por imensa maioria a aprovação de que seria realizada uma nova Assembléia. O menino enfaixado ficou e ficou e ficou, até começar a nova Assembléia. As mesmas perguntas do menino enfaixado e a mesma massa silenciosa e cinzenta aprovou o encaminhamento de uma nova Assembléia e foi assim até a realização inusitada de um Simpósio. E houve uma grande mobilização nas ruas, faixas e panfletos eram vistos no alto e nos postes; o vento arrastava papéis e textos opinativos pelas vielas e na televisão resplandeciam letras e vozes dando nota deste importante acontecimento na história do partido maior. Na internet eram criados espaços mil, pequenas mensagens enviadas via e-mail acirravam o debate e se tornavam públicos os embates e desencontros ideológicos pouco a pouco, na medida em que o vermelho virava roxo, rosa, lilás ou amarelo, na medida em que uma mensagem era mais comentada nos jornais do que a outra, tomando partido desta ou daquela versão e leituras sobre o estado de coisas em foco no cenário internacional. Os ânimos descritos nos textos evocavam uma revolução em curso e permanente, que mostrava o poder de uma organização nunca tão organizada e integrada, nunca tão eficiente, resultante de uma época em que nunca foram produzidos tantos adesivos e comunicados, mas, no entanto, não víamos os nomes por de trás dos textos, não víamos nada além da imagem fria das camisas cheias de sorrisos e belas frases, não víamos o momento em que o menino levantava o braço sem ataduras, nem tão pouco as pessoas assinando livros de presença. Mas, o Simpósio estava perto e as bandeiras erguidas na sede do partido balançavam como se estivessem numa motocicleta a caminho de uma história de amor.
Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
segunda-feira, 16 de julho de 2007
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2 comentários:
A internet leva a pessoa para cada lugar hein??? Leio muitos textos nos blogs, mas aindanãi tinha visto poemas tão ousados e histórias tão mirabolantes e surreais como essas que estão aqui. Sò que tenho que bater palmas para Escritos sobre a Greve. Espero que não seja apenas um conto. Sem dúvida é o início de uma história digna dos maiores autores. Este tal Soul tem quantos anos??? Parece que saiu de um baú. O início é maravilhoso e o menino do braço enfaixado tem nome? Ele tem cara de Pedro. O engraçado é que só li textos de duas pessoas. São tão diferentes e tão iguais as ideias. Paracem que são uma mesma pessoa. Será??? Adorei Três momentos para o Oscar. Agora tenho que ir. Continuem assim. Beijos.
Psiu: espero que esse Soul coloque link´s deste texto facilitar a leitura. Senão vai ficar muito maçante ler tudo de uma vez. Cada capítulo pode ter um link. É só uma sugestão. Eu e minha mania de meter o nariz em tudo. Ops!
Pensei numa onda. Numa onda que se deflagra do centro para periferia. Mas a idéia de amor e justiça que nasce do centro do raio a medida que ganha espaço e números perde seu sentido original. O autor acredita no espaço público criado para o debate político, onde se discute a psicologia do Estado. E, isso me comove, apesar da descrença geral, inclusive minha. O menino efaixado me soa um pequeno Chê, um ser mítico e poderoso, ao mesmo tempo ingênuo e impotente. Talvez o menino seja o autor, entre o sonho de mudança e a impossibilidade de fazê-la.
isma.
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