quinta-feira, 19 de julho de 2007

Sem título

Ismael Teixeira

Não. Não me escreva. Hoje quero ficar na escuridão. Onde dorme a calma das palavras. O não ser das certezas. Não. Não me escreva. Tu que podes inventar São Franciscos em terrenos baldios. Molhar a água. Derrapar navios em chamas. Não. Não me escreva. Eu sei. Não sabes. Os personagens também amam distantes das prateleiras. Sonham sem precisar de metáforas. Eu sei. Não sabes. Que enquanto inventas dramas daçamos atrás dos sonetos. E quando rasuras e apagas. Reinventas uma nova beleza, aqui, desse lado, não sabes. Mas poluiu uma cidade inteira. Eu sei. Não sabes. Julgas saber que escreves. Sintaxes, elipses perfeitas. Saiba. Não somos negros. Brancos. Nem usamos óculos. Não matamos e nem morremos. São tuas velhas certezas. Eu sei. Não sabes. Um dia vais perceber. Quando escreves já é tarde. Tarde demais para saber. Nesse dia deixarás as folhas. Os verbos e os nomes. Em paz. Verás que antes há sempre um alguém que escreve. E quem te escreve também não sabe. Se engana. E refaz. Não. Não me escreva. Não percebes que continuamos tuas poesias? Que também sentimos. Que também cheiramos. Que também estamos? Todos nós. Antes e depois do pincel.

9 comentários:

Anônimo disse...

É como se estivessemos diante de um quadro negro ou melhor: diante de quadro branco rabiscado por "hidrocor". Talvez, o sentimento da hora e as sensações ainda embebecidas pela recente contraposição entre os poderes do professor soberano e o aluno ciente das suas atribuições tenham fortalecido mais a consistência deste texto. As palavras e a cena imaginária estão todas lá. Ainda estão no instante das respostas breves e das interrogações desconfiadas. Por um lado o desafio e a petulância de quem vê o que não gostaria. Do outro o respeito, porém, a honesta desobediência das regras. O texto contudo não fala de regras e tão pouco de obras estanques. Fala da vida que corre independente das coisas que são ditas sobre ela. Tapar as orelhas e ouvir o pensamento desencadear cada sílaba e indagação do texto é uma experiência que recomendo. Porque quando nos debriçamos sobre este texto percebemos que a ordem da legitimação do mundo passa pelo conhecimento, mas que este, indolente, tenta moldar de tal forma a experiência que torna-se irrefutável a interpretação de que ele (o conhecimento) é cheio de amarras. Eu sei. Não sabe. Desde "O que faltou da escada" que não leio um texto do autor tão consistente do autor. Bravo!

Anônimo disse...

Vale ressaltar o evocar das coisas que não querem ser ditas. É incrível como o autor revela o quanto as palavras manuseadas pelo poeta podem ganhar sentidos e significados que não cabem nelas e nem na realidade que representam. O não-narrável é uma tendência dos poetas contemporâneos, que buscam o caminho das coisas impossíveis para assim como a religião preencher o que sobrou do céu e o que faltou da escada. Do início ao fim o texto é coerente e bem amarrado. Bravo! Bravo! Queria tê-lo escrito.

Anônimo disse...

muito bom o comentário. Estamos numa crise de narrativas. O poder da palavra foi descoberto, e a disputa se dará cada vez mais acirrada. Palmo a palmo. Para Heráclito cada afirmação é uma imposição e a diferença de quem diz e de quem ouve hoje determina tudo. Aqui, o autor coloca a sociologia na estética literátria, na inovadora forma de narrar. O Personagem se volta contra o narrador, como o oprimido se voltasse contra o opressor. E mais. Entra na discussão contemporânea tão bem colocado por Soul Sócrates (sol) do dito e o não dito. É preciso hoje atentarmos que o não dito diz mais que o dito, e que esse dizer, inclusive, pode atrapalhar o que seria o lugar colocado pelo autor (onde dorme a calma das palavras). É preciso realmente ter cuidado com as palavras. Uma palavra errada pode ser a morte, como a falta dela. Essa é a Encruzilhada. Quem se habilita?

isma.

Raiça Bomfim disse...

Nessa encruzilhada, a palavra dita ou calada representa cada letra no jogo da forca. Perde quem fala a letra errada. Perde quem não fala a certa. No jogo das relações estamos sempre com a corda no pescoço, tentando entender a trama da palavra liberdade.
Na verdade, precisava respirar mais esse texto antes de me "arriscar" a falar qualquer coisa. Como te disse ontem, parece que a cada frase, a um silêncio inviolável de resposta. Ele me intriga.


Sócrates, a respeito do convite pra participar deste lugar, devo dizer que é uma enorme honra. Agradeço. Me esforçarei, pois, pra estar à altura.

Beijos.

Raiça Bomfim disse...

corrigindo: "... há um silêncio inviolável..."

Anônimo disse...

"Mon cher igrec", em se tratando de história e enquadramento ou inserção, outrosim de contexto: "Pensar não inclui apenas os movimentos das idéias, mas também sua imobilização. O materialista histórico só se aproxima de um contexto histórico quando o confronta enquanto mônada. Já o historicismo uvinersal utiliza a massa dos fatos, para com eles preencher o tempo homogêneo e vazio". Acrescento, quando por vezes circular, ensimesmado no haito.
Logo, muito natural que se esclareçam muitas origines: a do narrador, a do romancista, a do informador e outros. Que na "hipolingua", apareçam destacada algumas raízes. É vero e inevitável o universal poético, porém temos uma estrutura, conjunta, que cria espaços menores e simples. Daí, cabe perfeitamente dentro do espaço universal a inserção da experiência única, menos historicista. Agora, plantam flores orgânicas na areia, que dizem pouco, alimentando o hiato e ruidos na mensagem. O quer dizer a estética de tal fato? Não chegou a um extrato sério sequer pois estava na contramão todo o gesto.

Ci disse...

Diante da riqueza e beleza do texto, e de tantos eloquentes comentários eu fico até sem saber o que comentar, registro aprenas que estive aqui....

Raiça Bomfim disse...

Meninos, dêem uma olhada nesse concurso:
http://www.sesc.com.br/main.asp?ViewID={4BE7F2B1-12D8-4F8E-AA45-3AFFA39628AE}&Mode=1&u=u

Sócrates Santana disse...

As dicas são ótimas!!!