domingo, 29 de julho de 2007

Crônica que ninguém ver

Ismael Teixeira

Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Era uma tarde comum. E um velho jornalista, como eu, sabe que em tardes comuns um olhar atento pode ver o monstro emergir da lagoa. Naquela tarde avistei muitas pessoas passarem naquela rua comum. Defronte estava uma praça sem graça. Nela um rapaz falava aos berros no celular sendo esticado por seu cachorro que latia para o cachorro de uma garota aparentemente atrasada. Adiante um quartel. Sentinelas estáticas durante horas em posição de guerra. O vento passava e acariciava minha penugem branca. Fim de tarde. Observava como quem conhecia a vida de todas elas. Uma pobre tarde comum. Muitas pessoas que passavam também eram comuns. Algumas passavam olhando para o chão. Outras pareciam estar em lugar nenhum. Muitas pessoas eram mulheres e avistava todas com meu olhar de velho jornalista. Algumas me notaram. Outras não. Todas passaram. Mas uma não. Avistei uma mulher que se dirigia ao lixo. Ela parou. Olhou o que nele havia. Pegou uma garrafa plástica. Colocou no saco. Numa fração de segundos encontrou meu olhar da sacada da janela. Sorriu. Sorri de volta. E foi embora arrastando seu corpo cansado. Por fim. Olhei novamente para a tarde comum. Fechei a janela e escrevi o que está lendo agora.

Um comentário:

Sócrates Santana disse...

Uma simples e mordaz analogia. Lembrei das peripécias de Gabriel Garcia Marquez ao escrever Memória de minhas Putas Tristes. Os jornalistas e o velhos em questão são tão parecidos. Olham a rotina com olhos de quem olha mais, no entanto, crêem que um beijo em forma de sorriso basta. O que fazer além de esboçar ao outro que os dois compartilham da mesma rotina. Vidas diferentes, é verdade, mas a rotina...
O título diz muito. E assim como ele, tento expressar da mesma forma um sorriso por meio de um comentário.