terça-feira, 31 de julho de 2007

O tempo e as horas

Ismael Teixeira

Para um escritor a vida leva até a beira de um rio. Para quem não é. Também. Sabino afirma que o tempo é conhecido depois dos trinta. Antes disso a luta é pelo espaço. Tempo é a diferença entre a idéia de um peixe e o peixe preso ao anzol. Assim como as palavras são para o papel. Poucos conhecem o tempo. Meu personagem de hoje foge a regra. E, contrariando Sabino, ele conhece ainda antes dos trinta. Ao caminhar numa rua antiga, certa feita, sentiu que o vento que tocava seu rosto e arrastava as folhas também tinha seu tempo. E, se hoje acariciava pessoas, musicava e coloria ruas antigas é porque aprendeu a ser gentil com a rudeza das auroras. Desde muito jovem meu personagem aprendeu que o tempo vive no mar. Num ponto qualquer entre as ondas e o horizonte. Dessa forma nunca precisou acelerar o coração antes da hora. Desde muito cedo percebia o momento em que as crianças deixavam de sorrir com certo brilho no olho para mentir. Ou mesmo quando um jovem deixava de sonhar para viver. Esse tempo que escapa nas pessoas era o tempo que nele havia. Talvez, seria um motivo pelo qual sempre se notava em seu jeito uma figura sem traço. E, portanto, assim, nenhum escritor teve a ousadia ainda de descrevê-lo. Peço desculpas por não saber ao menos o seu sexo. Mas tenho certeza, caso tiverem sorte de encontrá-lo, notarão que suas vestes estão sempre úmidas. Ele ou ela sabe que para um escritor a vida leva sempre até a beira do rio. E para quem não é. Também.


*Texto dedicado a uma grande amiga-tempo. Babi.

4 comentários:

Raiça Bomfim disse...

Esse texto me emocionou muito. Tempo, tempo, tempo, tempo. Assim que comecei a ler fui logo arremessada para A Terceira Margem do Rio, de Guimarães Rosa. Desse conto, um dos que mais me comovem dentre as letras que conheço, eu guardei uns trechinhos em especial que me parecem a voz do vento que tocava no rosto da personagem, enquanto ela seguia, seguia e “os tempos mudavam, no devagar depressa dos tempos”. Acho mesmo que para saber do tempo é preciso saber um pouco de ser onda, de ser horizonte e de viver no meio a meio do rio que segue, na “Margem da palavra/ Entre as escuras duas/ Margens da palavra/ Clareira, luz madura/ Rosa da palavra/ Puro silêncio, nosso pai”- essas embaladas por Milton e Caetano. Assim, para um escritor. E para quem não é. Também.
E, como aquele que acha que não sabe nadar e ao tentar boiar, de simplesmente se deixar seguir em sua leveza, entregando-se ao regaço d’água pra encontrar o céu, acaba querendo comandar o chão com os pés e afundando atrapalhadamente, assim também tentamos fugir do tempo e nos engasgamos “com a rudeza das auroras”. E onde é que termina o homem que permanece entre as duas margens do rio e aquele que da beira, o acompanha, e enquanto todos partem, permanece, “com as bagagens da vida”, é o grande mistério.
O texto realmente me emocionou. E de algum jeito me aplacou, para que meu coração não precisasse “disparar antes da hora”.
“Asa da palavra/ Asa parada agora/ Casa da palavra/ Onde o silêncio mora/ Brasa da palavra/ A hora clara, nosso pai”

Anônimo disse...

Depois que li Milton Santos percebi que "Tempo é a diferença entre a idéia de um peixe e o peixe preso ao anzol". E que, na verdade, como induz o poeta, tempo é espaço. Certa vez numa aula sobre ética falei para a professora que o presente carrega sobre ele a sua medida de passado, e que diante do paradigma do eterno retorno terminei dizendo que fica, portanto, a missão para nós de criar mais tempo dentro do espaço. Ela ficou taciturna. E eu. Com os calcanhares e o beiral das calças molhadas.
Gostei particularmente da maneira de começar uma narrativa a partir de uma reflexão, mostrando que o texto não nasce com as falas, os cenários e o enredo pronto. É como uma crônica de domingo. Não me canso de comparar esse momento do poeta com o lindo livro Memória de Minhas Putas Tristes. Não pelo teor, mas pela alma do poeta. Idades diferentes, mas tempos não similares. De fato é admirável. Certa vez o maior dramaturgo inglês disse: "Se a música é o alimento do amor, toquem, toquem sem parar. Quem sabe empanturrando-o ele morre".

Anônimo disse...

Errata: "Idades diferentes, mas tempos tão similares".

Anônimo disse...

Sou de um tempo em que era agonia
Nesse, o coraçao acelerava e eu ria
Dos minutos cocegas que despertavam
Ruas, bares, os lugares
Das letras sao gargantas
Planas e brancas de neve
Nessa boca quem se atreve
Mergulha na beira do dia.