sábado, 29 de março de 2008

quarta-feira, 26 de março de 2008

Déjà-vu

Soul Sócrates

Cotidiano invisível
Cê parece com alguém que um dia conheci
Relativamente, impossível
Para alguns, não sou ninguém
Para outros, factível

segunda-feira, 24 de março de 2008

Praça da Piedade

Sócrates Santana

A cidade é mais real e viva na Praça da Piedade. Os jornais estão abertos nas páginas de emprego, os mendigos estão sobre as calçadas e o camelos correm do rapa. A igreja está cheia e o pedinte sem moedas, o sinal vermelho e os carros em movimento. A trabalhadora sobe a Lapa abafada, olha para o relógio e imagina que o patrão vai chiar. Enquanto caminha e tropeça na preocupação, não vê o moleque que cheira cola atrás da banca de revista, tão pouco a mãe que usa a filha como isca para os gringos. O velhinho de bengala se esquiva do motoboy apressado que dobra a esquina e placas usam pessoas para vender e comprar ouro. Ali a universidade não é universal, mas cercada pela economia dos ricos e pelo ibope das emissoras de tevê.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Escritos sobre a greve - 15º PARTE

Soul Sócrates

Após receber a correspondência das mãos do carteiro resolveu queimá-la imediatamente, mas leu-a com voracidade, confirmando que realmente o delírio que havia tido era de fato um delírio. Entre os envelopes, muitos cartões e rostos resplandecentes desejando felizes dias melhores para todos e todas, especialmente, para você que lê esse comunicado padrão encaminhado através da nossa mala direta, favor assinar com letras GARRAFAIS o documento que certifica a respectiva entrega desta lembrança que encaminhamos para o companheiro com tamanha satisfação e passar bem. O de sempre, teria pensado se não estivesse preocupado com os resquícios de delírios (como seriam essas sobras de pensamentos febris) que ainda passeavam em sua cuca. Pouco entendeu os traçados de linhas que lhe trouxeram até ali, em casa, sentado na poltrona que um dia seu avô, depois seu pai e posteriormente seu padrasto também caíram aos prantos. Procurou não criar mais suposições e se concentrou na leitura das 1979 páginas debruçadas sobre as suas sujas mãos. A leitura começou, mas o pensamento não a acompanhou. A única página que lhe interessava estava no varal, secando e desentranhando as manchas de sangue do seu conteúdo. Enquanto o sol e o vento faziam a sua parte, milhares de militantes imaginárias navegavam nas ondas virtuais em busca das últimas palavras escritas sobre a greve.

Escritos sobre a greve - 1º PARTE
Escritos sobre a greve - 2º PARTE
Escritos sobre a greve - 3º PARTE
Escritos sobre a greve - 4º PARTE

Escritos sobre a greve - 14º PARTE

Sócrates Santana

Os braços foram seguros por algemas que não lhe garantiam segurança. Quem prendeu minhas mãos, teria perguntado o menino, sem perceber que seria covardemente e de maneira inesperada, lançado numa masmorra, num calabouço, numa caverna escondida na selva, num cativeiro, num escuro labirinto de palavras, encurralado num beco sem saída, por uma fácil e perversa disposição dos dedos que teclam e criam esses Escritos sobre a Greve. Não entendeu a super estrutura que se erguia por de trás daquelas imagens que surgiam sem serem anunciadas. Com as pálpebras bem abertas, pensou ter visto uma imagem incomum ser projetada na parede, uma sombra sem singularidade, poucos contornos e difícil interpretação, que penetraria em sua cabeça como se fosse um vírus de computador, estilhaçado e sem rumo, ramificado e sem lugar certo, um hospedeiro, diria um sociólogo nazista. É bom salientar e apartar qualquer tipo de relação dessas imagens propostas com cenas roliodianas, pois essa nevoa sem identidade não entrou em sua mente como nos filmes, quando uma nuvem escura e gasosa avança sobre os olhos da vítima e assume o corpo e os sentidos dela. É semelhante, pois passaram a morar em conjunto, num único lugar, como um cortiço, sem portas, muitos corpos, gritos, roupas pelo corredor e vozes amontoadas, mas não é isto, é menos complicado. Era um delírio. Não aguentou e, finalmente, dormiu com o livro na mão e o envelope nas mãos do carteiro, que ainda iria entregar a correspondência.

A página perdida

Ismael Teixeira

Nasceu em dia contrário. De costas. Ninguém viu seus olhos. Os médicos disseram que parecia que fazia ainda algo lá dentro. Mais tarde, numa página de caderno velho encontrado no estrangeiro, dizia ironicamente que estava terminando seu verdadeiro livro. Chorou. Mas chorou de raiva. Nesses tempos de palavras um escritor não tem escolha. Se não tiver a pretensão de ser deus melhor somente pensar. No berçário notavam uma criança diferente. Sorria. E parecia sorrir para o inferno. Nas ruas os carros andavam para trás, mas ninguém acreditou. Comentaram que era coisa da idade. Acalmaram sua mãe. Freqüentou igrejas. Mas não adiantou. Os desenhos infantis eram estranhos demais. Nada pareciam com o que observava tanto da janela do quarto. Um livro não é quadrado por acaso. Cresceu impassível entre a juventude estúpida do seu tempo. Gostava do silêncio. No silêncio se pode ouvir com atenção o momento que cochilam as horas. Os entre-segundos mais belos. Então escrevia com seus olhos fechados. Não tinha tempo, comentava. Sorria ainda infante quando alertava: jamais pense que você é maior do que o que lê. Leia como quem caminha nas águas. Qualquer descuido morrerá afogado. Um livro no fim é sempre um alerta. Um livro no fim é sempre um alerta. Como qualquer pessoa seu hobby era entortar os ponteiros, amansar a terra, salvar formigas e mariposas nas praias. Como qualquer pessoa acordava cedo para olhar o amanhecer e lembrar de algum verso perdido de Rimbaud, andar de olhos fechados no deserto, ser e não ser alguém. E os anos gritavam. E as pessoas andavam para trás. Mais tarde num livro de sucesso escrevera que os relógios não paravam de cansaço, mas por obediência. Ninguém entendeu. Aos dezessete anos foi encontrado morto pela segunda vez. Pouco depois teria de mostrar suas poesias para alguns psicólogos. Desenhou todos eles. Em todas as figuras ao lado dos médicos havia uma árvore velha. Poesia não mata a fome. Foi tudo o que puderam dizer. Não respondeu. Mas pensou: Mas não mata a alma. Quando morreu ninguém viu seus olhos. Ninguém sabe para onde vão os olhos de um escritor. Um jornalista indiscreto ousou perguntar certa vez para onde tanto olhava – talvez por notar algo vago e distante em seu semblante. Olho para onde posso caminhar livre, respondeu. Na matéria havia algumas frases que causaram constrangimento anos depois: um bom livro é quando se pode lê-lo depois de fechado. Ninguém é capaz de ler o que realmente escreveu um verdadeiro escritor. Ele nunca está aqui, porque não nasce, como todos os homens. Rumores da história ilustram que um bêbado desconhecido havia dito em sua embriagues que vivia na lua porque a lua caminha igual aos planetas, e os planetas caminham igual a deus. Os homens andavam para trás. Mas ninguém entendeu.

quarta-feira, 12 de março de 2008

Lia, a azarenta

Chico Alves

Lia era igual a Glauber, queria morrer as 42. Sua vida era uma merda total. Seu namorado era gordo, feio, e ruim de cama. Ela nunca tinha gozado. Sentia-se a mulher mais infeliz do mundo. Lia tinha pressa. Achava que morrer era a solução para aquela vida fudida que levava. Se existisse vida depois da morte, talvez lá fosse um pouquinho mais feliz.
Lia queria morrer logo, e até o inútil do seu namoro prometeu ajuda-la. Jorge garantiu que um dia qualquer poderia a estrangular, ou a afogar numa praia qualquer ou até mesmo, dar um tiro seco bem no meu dos peitos. Lia queria morrer. Queria a morte lhe fosse leve. Preferia morrer como nos livros do Garcia Márquez.
Lia decidiu sair para pensar numa melhor forma de se matar. Seu segundo gole foi interrompido por Glória, sua meio-irmã. Depois de uma noite de esbórnia, Lia mal conseguia andar. Entrou no carro, acelerou fundo e, finalmente conseguiria morrer. Seu Fusca 77 capotou 3 vezes.

- Que azar do caralho! Disse uma semana depois de acordar sem um aranhão sequer num quarto vagabundo no Roberto Santos.

terça-feira, 11 de março de 2008

Outra coisa

Helton Fesan

Não era dado a reclamar. Calado de um jeito que incomodava. Jeito de quem não faz questão, de quem não dá assunto, de quem não liga... Mas ligava! Dentro de si, remoia as incertezas que fazem sofrer todo e qualquer um, só que nele bem mais, pois calava. No portão, foi atendido com o sorriso costumeiro. Ela, mal ele entrou, já pulou em seu pescoço munida de beijos e palavras de carinho... Silêncio. Foi surpreendida com um pesar diferente. Sabia que ele não era de algazarra, consignado no seu mundo à parte, porém, naquele momento pareceu-lhe mais denso do que o de costume. O abraço que ele lhe deu, envolveu-a como polvo, chamando-a para o contato com seu corpo e buscando um encaixe perfeito. Ela cedeu ao abraço de polvo e retribuiu. Silêncio. Agitada que era sentiu-se incomodada com a inércia absoluta e, querendo um próximo passo, uma outra ação, sussurrou te amo. Ele continuou mudo em seu abraço. Ela mudou de tática. Correu os braços pelas costas largas buscando, quem sabe, uma excitação que os levariam ao escorregar pelo corredor, tropeçar nos móveis da sala e cair pelo quarto numa loucura... Não aconteceu. O abraço continuou firme, quente e estático. Não era um abraço morto, dava para sentir os sentimentos, as emoções... Mas era parado e ela cansava. Sem movimentos bruscos, nem palavras explicativas. Nenhuma manifestação externa. Só o abraço. Já incomodada, ensaiou dizer algo, mas foi interrompida com um carinhoso e longo psssssssiuuuu. Não havia o que fazer. Restava esperar pela eternidade daquele ato. Vencida, ante o colosso da situação, acolheu melhor a cabeça no ombro daquela parede acolchoada e descansou os braços que já doíam. De repente, pode ouvir o coração de seu parceiro. Batia forte. Teve uma sensação de paz e segurança no ritmo daquele bumbo. Gostou do que sentiu e começou a sentir mais do que sentia antes. Tornou-se parte daquele momento, daquele carinho, daquele corpo... Silêncio. Mas o que seria aquele abraço? Carência, perdão, despedida ou uma outra coisa? Se fosse outra coisa... A garganta secou, o rosto começou a queimar e os olhos se afundaram no peito dele. Começou a chorar compungida. Teve medo de soltar-se do abraço e não mais poder abraçar. Pensou em pedir desculpas, ajoelhar-se no chão, dizer que não era aquilo, mas faltava-lhe voz. Apertou o abraço. Ele retribuiu. Passa o tempo e a voz grave dele ecoou te amo. Ela Aliviou-se. Ficou menos tensa, mas chorava. Sorriu e entre soluços disse também te amo amor. Não era aquilo. Ele folgou o abraço, se olharam. Ele balbuciou que queria dizer... Parou e a abraçou-a de novo. Ela já não retribuiu do mesmo jeito. Agora se perguntava o que houve. Silêncio.

segunda-feira, 10 de março de 2008

A morte de Juca, a elipse ou um conto cinematográfico.

Chico Alves

Juca tinha acabado de acordar quando Luiza gritava por seu nome no lado de fora da casa. A noite anterior tinha sido uma daquelas. Nem ao menos se lembrara como chegou em casa. A roupa encharcada de cerveja não deixava dúvidas.
Luiza gritava e batia na porta de seu apartamento, decidida a por um ponto final naquela situação: ou ele parava com as farras homéricas, ou ficaria sozinho no fundo do poço. Ele preferiu a segunda opção. Luiza nem olhou pra trás, pegou suas coisas espalhadas pela casa, enxugou as lágrimas e partiu.
Ainda bêbado, Juca se barbeou, tomou banho, vestiu sua melhor roupa e saiu apressado. O cigarro de Juca ainda queimava quando Luiza apareceu na porta no Salvador Shopping, de mãos dadas com Felipe. Antes de entrarem no carro, Juca correu ofegante, e gritou. Agora era ele quem estava disposto a dar um fim naquilo tudo.
Enquanto Luiza o observava, Juca corria em direção a passarela, corria, corria, corria. Parou olhou para Luiza pela ultima vez, enxugou sua lágrima e partiu. Seu corpo caiu violentamente no capô de um ônibus que fazia a linha Lapa x Cajazeiras. No bolso da sua calça um pedido de desculpas. Juca finalmente pararia com as farras. Luiza chorava e tentava reanimar Juca com uma cerveja estupidamente gelada.

Escritos sobre a greve - 13º PARTE

Sócrates Santana

Depois de tossir com a poeira levantada pelo giz, dobrar a rua das flores que não morrem e contornar numa guinada a avenida jornalista beltrano sobrinho e terceiro, finalmente, o menino chega. Não importa aonde, quando se chega, o sentimento é de alívio, as pernas logo de afrouxam e o restante do corpo desaba, como se uma cama branca e macia estivesse abaixo das preocupações de outrora, caindo-lhe uma carta sobre o umbigo, após deitar-se numa sensação virtual de tranqüilidade. Mal fechou os olhos, coube-lhe abri-los novamente, bem verdade, o corpo já revigorado pelo universo de pensamentos que permearam seu andarilho percurso, tendo-o pela frente um envelope incólume. O céu retorna à escuridão, as páginas são pretas novamente, e tensão e angústia voltam à cena, preenchem o enredo e olham para o inconsolável semblante do menino de braços amadurecidos e rosto levemente áspero pelos pêlos que cresceram como grama rasteira no terreno baldio ao lado de casa, que aterrorizado pelo comunicado contido na carta, que dizia, o indicado militante foi convocado para um interrogatório, um depoimento, como queria chamar, a ser prestado no primeiro quartel civil dos sargentos rebeldes e grevistas de dois mil e um, vinculados ao nonagésimo oitavo batalhão das armas confiscadas pela rede mundial de narcotraficantes amigos dos amigos dos homens de lá, na estrada das velhas histórias sobre a ditadura militarizada, número exilado Santiago, Chile, foi pego em desespero e arremessado para um túnel escuro e infinito. Abruptamente o cenário mudou, uma cadeira, porta trancada, recortes de revistas, jornais e panfletos nas paredes, além de imagens multimídias que projetavam cenas históricas de grandes greves realizadas no ABCDário das cidades centrais dos proletários, um grupo de homens e mulheres vestidos com macacões e munidos de ferramentas, apontados como os principais idealistas da primeira greve geral. A porta, trac, trac, abre-se com dificuldade, ouve-se murmúrios e um refletor ilumina o livro seguro pela mão esquerda do menino. A mesma mão esquerda que arrancou das vísceras de um ancião a verdade inaudita. Uma enxurrada de perguntas veio em seguida e nenhuma resposta. Muita agonia. Pouco oxigênio. Pressão.

Escritos sobre a greve - 11º PARTE
Escritos sobre a greve - 12º PARTE

domingo, 9 de março de 2008

A pequena bela

Ismael Teixeira

No limiar da luz. Entre o fim e o infinito. Um arco-íris em preto e branco anunciava que o passado ficou ainda mais distante. Pequeninas mariposas estouravam no ar como se notas de piano voassem. Milhares delas afagando o ar inundaram a janela de um pequeno quarto afastado de uma cidade afastada. Mariposa em algum lugar significa mudanças e todos aqueles bichinhos haviam avançado humildemente aquele cômodo carregando um chapéu nas mãos como quem pedisse licença. Antes de estourarem olhavam fixamente para o silêncio e se despediam. Cada uma numa nota solitária chamava a morte de todas elas que vinham e vinham soando uma valsa nua e triste. O quarto, inundado de uma luz azul, permitia vislumbrar alguém que dançava. Parecia uma pequena menina que valsava sozinha com aquela noite de corações perdidos. Ele andava numa rua deserta. A lua, as velhas janelas solitárias, pequenas chamas de luzes o seguiam. Fantasmas sorriam em cada esquina perigosa. Os passos de velho destemido estalavam monótonos no piso de pedra branca; pareciam mal tocar no chão. Escorregava lento no piso gelado como quem escrevesse dormindo. Na rua não havia nada além de corujas brancas languidamente vagas resmungando bêbadas qualquer bobagem. Sapatos enlameados, um alforje de couro deixava o ar mais maduro com sua presença conhecidamente masculina e sedutora. Um homem é homem até que se prove o contrário. Mulher não. A garotinha de mãos tão frágeis parecia ter conhecido o amor apesar da idade. Seu quarto guardava as cores, os detalhes ainda de uma menina, porém àquela noite, parecia deixar escapar um olhar diferente. No leve sorriso um borrão quase imperceptível de quem já não era mais primavera. O homem usava um cachecol azul e alguns cachos escorriam de uma boina gasta. Apesar do frio parecia andar sobre as águas. Na visão de cima, talvez do quarto andar, lembrasse um caubói cansado se houvesse mais amarelo na paisagem. Mas como me posicionei de costas não passava de um homem comum atrás de alguma diversão. Quem sabe um boêmio de uma taberna próxima. Havia notado ainda marcas de batom na sua camisa. Exalava perfume barato. No quarto ainda estouravam as mariposas. Estalavam como se mãos deslizassem num aparelho acústico. A jovem rodava, rodava, rodava a valsa triste como se não houvesse culpa de descobrir ser mulher. De olhos fixos no mistério postava as mãos delicadas como se dançasse graciosamente com um elegante cavalheiro. Seu cabelo, porém, desfeito. A camisola de urso, porém, amassada. A cama ainda quente. Após alguns dez metros notei que relâmpagos desenhavam flores e nuvens como cachos de uvas estavam prestes a espremer violeta a derramar vinho nas paredes. Nas mãos do pequeno rapaz hortênsias que como ele pareciam se importar com o tempo e andavam cada vez mais velozes. O coração apressado ecoava nas ruas próximas. Parecia sutilmente apreensivo, ou mesmo temeroso. Ninguem sabe ao certo quando um homem está apaixonado. A jovem flutuou até o banheiro e deixou que a chuva lavasse seus detalhes até que novas formas tomassem volume. Madeixas, pêlos, seios enchiam como água toda aquela tempestade. Suas mãos firmes tocavam seu corpo como se conhecesse onde guardava seus pensamentos, seus desejos. Mentia para si mesmo e sabia porque mentia. O garotinho olhou rapidamente para a sacada de um prédio velho de esquina. O vazio em seu peito não era mais vazio que aquela rua e titubeante avançou para as escadarias deixando pingar gotas violetas nos degraus. A grande lua a observava do quarto. Vagarosamente ela apertava seus botões e espartilhos. O batom vermelho provocava o espelho e combinava com o rubro e preto das suas roupas íntimas. A companhia tocara tímida. Ela sorriu. Ele pequenas voltas em frente à porta. Ela como se tivesse outras coisas para fazer se projetou devagar para receber o sujeito. Ele trêmulo se preparava para encenar qualquer cena de efeito. Quarto. Sala. Porta. Maçaneta. Olho mágico. Sorriso de fêmea. Olá de criança. Um preço.

*Agradecimento especial a Ana Bárbara - obrigado pelos toques.

sexta-feira, 7 de março de 2008

A mesma de tempos atrás

Renata Belmonte

Se você me perguntasse, responderia assim: cresci observando minha mãe colecionar vestidos para o grande dia, a data do retorno que nunca aconteceu. Às vezes, me escondia em seu quarto, apenas para tentar ser parte de seus delírios, cada roupa uma nova dramatização para o fim da longa espera. Vestir-se significava experimentar um pouco da felicidade projetada em seus sonhos. Quando morreu, tive dúvidas sobre qual deles ela deveria usar. Optei pelo que comprou por último, um longo rosa seco com leves bordados em prata. Imaginei que em seu enterro, ela talvez conseguisse o que tanto almejava. Ledo engano. Em cada palavra sentida, a ausência do único que importava. De preto, despi-me para sempre da esperança de qualquer aviso. E fiz a escolha pela nudez, transformando-a em profissão.

Apenas se você me perguntasse, eu responderia. Convivo bem com silêncios, com a falta de explicações. Fui menina criada em cantos, tranças feitas pelas empregadas, órfã de pai, intervalo incômodo da vida da mãe. Por isso, diariamente, sou abandonada e não me importo.

Eles chegam sorrindo, camisas impecavelmente passadas, são suas mulheres que os vestem para nossos encontros. Fazem da mesma forma com as crianças, quando as arrumam para as festinhas de aniversário dos colegas. É uma longa tradição. Crescem acostumados a mandar, exigir, dispensar. Presto atenção em seus rostos redondos, escorregadios. Não, não há qualquer vestígio de remorso ou culpa. No final, quando já estão satisfeitos, colocam o dinheiro em cima da cômoda e vão embora agradecendo, repetindo as mesmas palavras que diriam para qualquer vendedor de cigarros. Alguns, enquanto caminham, ainda olham para trás, têm esperança de compreender o que lhes falta. Outros preferem ignorar a existência de razões. Em nenhum caso, sinto-me magoada ou comovida. Não me cabe essa parte. Compreendo muito bem o papel que represento na vida das pessoas.

A amante. Nada mais ou menos que isto.

Confesso que sabia que voltaria a me procurar. Esta porta sempre esteve aberta. Muitos são os que passam ou passaram por ela. Seria estranho que logo você fosse a exceção, o vácuo da minha história. Guardo ainda, num álbum de aspecto infantil, aquela nossa fotografia. Aquela em que estamos abraçados e felizes. Quando não me sinto vigiada, gosto de revê-la. Um dia feliz, eternizado em um pedaço de papel. Às vezes, chego até a recriar as sensações daquele momento. No entanto, não pense que faço o mesmo que minha mãe. Já lhe disse, muitos são os que deitam e deitaram na minha cama.

Sim, durante esses anos, estive lhe aguardando. Porque a sua vinda, o nosso encontro era uma coisa natural, previsível.

Apenas isso. A amante.

Olhe para mim. Não sou a mesma de tempos atrás.

Convido-o para entrar.

Novamente, nós.

Você, sapato preto de cromo alemão, passos fortes, mesmo perfume daqueles tempos. Reconheço-o, de pronto, através dos sentidos menos festejados. Chegou a hora. Sou golpeada, estremeço por dentro, fico gelada, sinto medo. No entanto, não demonstro qualquer surpresa ou ansiedade. Não me permito este tipo de atitude insensata. Minha mãe dizia que chegaria a época em que eu a compreenderia, saberia o que era amar e sofrer. Sim, tenho esse homem na minha frente, só que não lhe concedo tamanha liberdade, possuo um enorme respeito por mim. Estou numa camisola clara, sento-me à beira da cama. Duas taças de vinho nos esperam, na pequena mesa de sempre. Peço que me informe sobre suas fantasias e desejos mais secretos. Ignoro-o quando me pergunta sobre as minhas preferências. Levanto-me, acendo um cigarro e fumo de forma sensual, como faziam as mulheres elegantes de antigamente, as mesmas que sempre ameaçavam minha mãe, em seus devaneios mais angustiantes.

Ela sempre soube que eu seria assim. Desde criança, quando me escondia em vestidinhos cor-de-rosa e repreendia a minha maneira de falar, já tinha certeza de que eu pertenceria a outra categoria.

Brindamos. Nossos cálices se chocam, interagem. Três goles para jamais esquecer. Uma nova chance. Nossos corpos, finalmente, se aproximam. E não há mais nada, além da pequena distância existente entre nós.

Faz silêncio, no universo. Em pouco tempo, começará mais um espetáculo de amor, vida e destruição. De longe, sei que alguns rezam para que nada de mal ocorra. Julgam o que sentimos, condenam meu comportamento. Outros, sim, aqueles que já viveram isso, aguardam ansiosos o momento do encontro, desejam reviver seus sentimentos pretensamente acabados. Tenho consciência de que com minha mãe é diferente, ela está em posição única, híbrida, confusa, dramática. Receia que eu consiga realizar o que ela sempre quis. Meu amante está diante de mim, meus anos de espera não foram em vão. Consigo vê-la, ao nosso lado, parada, observando dividida, cada ato, cada segundo. Sei que não chora, seu desespero é mudo, como o das santas arrependidas que povoavam o altar de nossa velha casa. Imagino que tenha uma vela nas mãos, apesar de não haver clareza sobre no pedido. Encontra-se em posição única, híbrida, confusa, dramática. Não sabe ao certo o que é mais forte, o amor, a inveja, a dor, o desejo ou o medo. Prevê que não haverá final feliz, em nenhuma das hipóteses. Seu vestido é longo, rosa seco com leves bordados em prata. Está pronta. Gostaria que tudo tivesse sido diferente em sua vida. No entanto, não há mais espera, chegou a hora. A menina cresceu, ganhou seios do mesmo tamanho dos seus, tem seus olhos, são seus olhos que estão fixos nos de seu amante. Apenas lhe resta aguardar. E, de alguma forma, torcer. Porque, afinal de contas, ainda são uma família.

Ponho meus lábios à disposição dos seus. Abro minha boca lentamente. Nossas línguas se acham. Nos beijamos.

Passamos a reconhecer nossos corpos. Sim, não sou a mesma de tempos atrás.

As roupas como tapetes, as peles nuas, juntas, desejando ser apenas uma. Toda a minha vida eu esperei por esse dia. O retrato, eles sorrindo, abraçados e felizes. Sinto-me muito mais bela quando estou perto de você. Ele sobre ela, o toque, as carícias. Os beijos, as línguas em choque, o hálito a denunciar seu passado, leve sabor do vinho, a bebida dos amantes. Como num filme. O cheiro, o cheiro dele, de seu perfume, de sua pele, o perfume da pele, o cheiro da pele dela e dele, não há mais como distinguir, individualizar. Vamos, faça o que quiser, meu corpo lhe pertence. Jamais se deve dizer isso a um homem, ela sabe, mas, desta vez, não se importa. As partes, os olhos fechados, os sussurros, gemidos, a intensidade, força, a força dos longos anos de espera, o prazer. O que Deus uniu, ninguém separa.

Desde que nasci, já estava escrito. Minha mãe sempre previu que, um dia, isto iria acontecer.

Ouço os latidos dos cães, logo compreendo: transmitem a notícia pela noite. Estamos em silêncio, todas as palavras foram mortas. Você permanece inerte, parado, não pronuncia qualquer gesto de carinho. É esse deserto que me faz, subitamente, perceber o motivo de sua demora: nos encontramos em lados distintos da cama. Como em todas as nossas vidas, nas quais pertencemos a lados opostos do mundo.

Sofro, sofro, sofro. Nem o relógio se compadece. Insiste em me dizer, repetir que, em alguns minutos, você irá embora. Do mesmo jeito, da mesma maneira que fazem todos os outros.

Procure saber qualquer coisa sobre mim, como foram os meus anos, se sou feliz, se tive um cachorro, se me formei, como entrei para essa vida, qualquer coisa, o mínimo, qualquer coisa.

São os cães, em seus uivos noturnos, que me avisam, relembram: a amante. Nada mais ou menos que isto.

E apenas se você me perguntasse, eu responderia.

Enquanto se veste, passo a me lembrar de minha mãe experimentando seus vestidos, glória e decadência, em questão de minutos. Estamos no final do grande dia, da data do retorno. Não há mais dramatização para o fim da longa espera. Ela se encontra rente à cama, linda em seu vestido rosa seco com leves bordados em prata. Finalmente chegou a boa hora.

Sim, pai, agora, você vai nos pagar.

Você coloca a quantia acertada sobre a cômoda. Acompanho-o até a porta. Vejo ir, sem olhar para trás, meu primeiro amante, aquele que me privou de tanta coisa, aquele que fez com que minha mãe, eternamente, me culpasse pelo seu abandono.

Trouxe-o, de volta, mãe. Pare de me atormentar. Fique em paz. Descanse em paz.

Como não estou sendo mais vigiada, revejo a fotografia mais bonita que já vi. Um dia de sol, no parque. Nós, abraçados e felizes. Não tenho certeza. Caso seja realmente você, os anos lhe foram bastante violentos. Aliás, para todos nós.

quarta-feira, 5 de março de 2008

Notas mínimas

Sócrates Santana

1
O relógio desenhava quatro horas em ponto, a sinaleira da Avenida Manoel Dias iria abrir em nove segundos, faltavam dez minutos para a esposa bater o cartão e três prestações para quitar o crediário. Por de trás do volante, um semblante pálido e assustado. Verde. Engatou a segunda e sentiu uma mão ágil puxar o seu relógio.

2
Saiu avoado. Tão rápidos quanto às mãos eram os pés. Calçava trinta e oito. Pés pequenos para um moleque de dezesseis anos. Dobrou a Rua Brasília e encontrou na casa vinte e cinco, um senhor de meia idade que consertava relógios. Ofereceu a peça por quarenta reais. Ganhou vinte e cinco.

3
O velho repassou a peça por setenta e cinco reais. O rapaz de terno número quarenta guardou o exemplar na pasta. Deu sinal para o alarme do carro e entrou sem maiores sobressaltos. Dirigiu até um armarinho, onde compraria uma caixinha para o relógio por apenas um real. Embrulhou o mequetrefe e saiu correndo até a casa trezentos e cinqüenta e três, avenida Paulo VI. A irmã mais velha abriu a porta e lhe deu um longo abraço.

4
Depois de desembrulhar o presente, ela suspirou assustada. O relógio de meu marido. Eram dezoito horas. Pensou que fosse uma brincadeira do irmão caçula. Ele disse que não. O marido aturdido pulou no pescoço do rapaz. Muita correria dentro de casa. Um grande mal entendido. Foi a conclusão. O telefone tocou.

5
Apanharam o garoto. Na verdade mataram-no. Morreu com uma cédula de cinco reais na mão. Iria pagar uma dívida de cinco reais aos traficantes do bairro. Um policial avistou a movimentação e atirou sem mais explicações. Logo a imprensa chegou no local. Eram sete horas e quinze minutos da noite.
6
Sete horas da manhã. Ainda faltavam dois minutos para o bolo ficar no ponto. O carteiro lança o jornal pela janela. Um rapaz morreu após uma troca de tiros com a polícia por volta das sete horas e quarenta e cinco minutos da noite. Descrevia o lead. O motivo. O de sempre. Tráfico de drogas.
7
Uma semana atrás. Um policial conversava com um adolescente. Ele cobrava o dinheiro referente à proteção da quitanda da mãe do garoto. Vinte reais. O menino explicou que não tinha a quantia. O policial deu-lhe um murro no estômago e um prazo de uma semana. Não deu tempo.

Lembranças das águas

Mel Adún

Como chove em São Salvador City! Foi exatamente nessa época do ano que nos conhecemos. Na época única por essas bandas quando fazemos amor embaixo dos lençóis. Lembro de como dormíamos abraçados, enroscados no calor do outro. Tão dispostos a aceitar o nós. Tão singular no plural. O barulho da água que caía do céu ditava o nosso ritmo, arrítmico. Lembro que a sua perna sobre o meu culote não me incomodava; como era bom te sentir dentro de mim, dono de mim. Não possessivamente. Eu era sua porque de mais ninguém poderia ser, nem de mim mesma; assim como você era meu. O nosso quarto era a África tão perto quanto distante; éramos majestades em cima da cama. Às nossas descobertas, nossas bocas nunca deixavam de se encontrar.
O rei de azul e a rainha de amarelo sob o teto do castelo que era qualquer lugar que abrigasse a nossa vontade. Quanta vontade! Doce vontade. Às vezes suaves outras nem tanto. Entre aquelas tantas paredes ficou registrada a nossa passagem. Nenhuma temporada vai ser como aquela. Nenhuma gota de aprovação dos deuses cairão no mesmo lugar. Ninguém vai sentir o que sentimos.
Como é diferente ver a chuva cair agora sozinha. Como é estranho ser eu novamente.
Nessas noites de chuva sinto saudades de nós. Quando euteamos eram verdades e sentíamos até um frio na barriga...

terça-feira, 4 de março de 2008

Ana

Daniel Pellizzari

Certa noite a contorcionista do Circo Garcia não apareceu para o espetáculo. Ficou trancada em seu trailer, ouvindo vozes e passando muito mal, com pontadas na cabeça e tossindo sem parar. Continuou assim durante muito tempo, preocupando seu chefe Walter Garcia, o homem da cartola, e seu marido Geraldo, o atirador de facas. Quando completou duas semanas longe do picadeiro, a contorcionista do Circo Garcia espirrou com muita força e sentiu algo saindo de sua narina esquerda. Quando abriu os olhos (lembramos aqui que é impossível espirrar de olhos abertos) deu de cara com um pequeno homúnculo de aproximadamente quinze centímetros de altura, coberto de muco, que lhe sorria sentado no chão. No mesmo instante cessaram as vozes, as pontadas, a tosse e o furor uterino do qual ainda não tínhamos falado nem vamos falar, pois não tem o menor interesse para a vida de Eduardo, que é como o homúnculo foi batizado.

Para alguém que não nasceu, surgiu, Eduardo teve uma infância atribulada, apesar de já ter nascido adulto. Rumores sobre a história milagrosa de seu nascimento acompanhavam a trupe do Circo Garcia por onde quer que andassem, o que despertou a coceira da ganância em Walter Garcia e sua cartola. Eduardo, o filho da contorcionista, começou a ser exposto na tendinha de aberrações que costumava ser erguida ao lado do circo. Passava dias e noites sendo observado, o que muito lhe incomodava, principalmente quando alguém lhe atirava pipocas. Após alguns meses cansou deste tratamento e resolveu fugir. Vestiu uma espiga de milho com suas pequenas roupas, feitas com carinho pela Mulher Barbada, e escapuliu por baixo da lona. Anos depois aconteceu um incêndio no Circo Garcia e a contorcionista foi uma das vítimas fatais, mas isso não faz o mínimo sentido nem tem relação com Eduardo, que a esta altura estava vivendo contra a sua vontade em um laboratório muito asséptico.

O Dr. Krleza possuía uma interessante teoria interessante sobre a loucura, baseada em sua crença de que o ar estava cheio não apenas de bactérias, mas de pequenos homúnculos que poderiam ser aspirados e começar a viver dentro do crânio de pessoas normais, compartilhando seus pensamentos e assim causando delírios e outras afecções da mente. Eduardo era a prova empírica de que necessitava para sedimentar o fato da existência dos pequenos homúnculos. Mas, infelicidade profunda, eles nunca se conheceram e nem ao menos ouviram falar um do outro, provavelmente pelo fato do Dr. Krleza viver na Croácia e Eduardo no Brasil, mais precisamente em uma cidade que não tem importância para esta narrativa. O que nos importa é que depois de vagar pelo mundo algum tempo após sua fuga, Eduardo concluiu que as ruas eram perigosas demais e se deixou ser adotado por uma patologista solteirona viciada em trabalho e em óxido nitroso, que morava no laboratório e passava grande parte do seu dia rindo sem parar e utilizando os então dezoito centímetros de nosso homúnculo em certa atividade que não temos competência, desenvoltura ou desinibição para descrever em detalhes.

Tal período teve grande influência no mau humor apresentado por Eduardo ao completar vinte centímetros de altura, algumas semanas depois de abandonar suas funções involuntárias no laboratório. Morava agora em um shopping center, onde inclusive havia arranjado um emprego como duende de Papai Noel. As crianças e seus pais imaginavam que ele era uma espécie de pequeno autômato muito realista, e enchiam o recinto com ruídos de admiração. Nos intervalos, o Papai Noel bebia um pouco de rum de sua garrafinha metálica e revelava a Eduardo toda a sua estranha alegria de ter criancinhas sentadas em seu colo. Eduardo permanecia entediado em suas tarefas de duende, que lembravam demais seu período na tenda das aberrações, até que no início de uma noite que nada tinha de especial, uma mulher que estava de mãos dadas com seu filho na fila do Papai Noel deu um espirro muito forte, de boca aberta, lançando muco e perdigotos para todos os lados. Juntamente com estes, arremessou também uma mulherzinha sorridente de dez centímetros aos pés do Papai Noel. Ao vê-la, coberta pela gosma brilhante, Eduardo foi tomado de tamanha alegria que começou a inchar. Inchou sem parar, como um baiacu, até começar a flutuar pelo shopping, para espanto dos freqüentadores, que desviaram a atenção da mulherzinha recém-surgida. Em certo ponto a felicidade de Eduardo chegou a um ponto em que seu pequeno corpo explodiu e seus fragmentos pulverizados caíram devagar, como neve fina, sobre a decoração natalina do shopping.

Nas linhas acima lembramos de Eduardo, mas na verdade gostaríamos de contar a história de Ana, que nasceu normalmente através de uma vagina, após nove meses de gestação tranqüila, e cresceu até quase um metro e setenta e quebrou o braço aos nove anos mas se recuperou bem e foi uma criança e uma jovem feliz e casou com o belo e bom Gabriel e teve três filhos obedientes e morreu velhinha em uma tarde depois de tomar chá com biscoitos de gengibre. Mas ela morreu no parto, coitadinha, e graças a isso não viveu e nada temos o que contar sobre ela.