terça-feira, 17 de julho de 2007

O cego, o aleijado e o louco

Ismael Teixeira


Para escrever um conto não se precisa de mãos. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei algumas gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente. Maiakovski esquecera das rosas num bar antes de fugir para sempre do seu grande amor. Escrever é um estado ausente e o esquecimento do poeta russo se deu porque escrevia demais. Não podemos amar e escrever ao mesmo tempo. O acordar do tinteiro sobre a mesa. A vela morta nos castiçais são sintomas perigosos. Oscar Wilde denunciou seu fim a um jornalista quando não pôde mais separar sua vida da poesia. Tolo do artista que não entender que sua obra nasceu para não caber nas roupas. Nas palavras tolas de outro alguém. Ficará sem orelha. Hoje, ficarei sem mãos. Para escrever um conto não se precisa delas. Mas de rosas. Numa tarde de chuva, por exemplo, deixei gotas caírem no papel e aquilo foi suficiente.

5 comentários:

Anônimo disse...

perplexa e o silêncio, nem todo o sempre, as rosas podem expressar o tom da cor que carrega em suas pétalas, mas ao invés disso, o poeta extrai de suas folhas,o verde necessário para chorar, para dormir, para beber ainda, na resistencia de livros que a cada dia perde suas páginas envelhecidas.
grande abraço, saudades

Sócrates Santana disse...

Sem dúvida. Sem meias palavras. Direi simplesmente que o estado de esquecimento muitas vezes nos descola enquanto as coisas acontecem. Oscar Wilde também dizia que "a vida é o que acontece enquanto estamos pensando em outra coisa". A vida corre, os dias correm, mas, uma fila de banco sempre será mais longa. Porquê? Talvez, a rosa entre os lugares seja justamente o que faltou da escada. Talvez, faltem rosas. Uma reflexão, sem dúvida, mas uma bela reflexão. Bravo!

Raiça Bomfim disse...

é o que não cabe e derrama-se em letras no papel, com toda arte. o que não cabe como toda arte e se perde no tempo, nunca se conjuga no presente. ontem eu quase amei. hoje escrevi sobre o amor que ontem, hoje achei que tive, que achei que hoje aflorou mas que perdi n'alguma nuvem que não pingou nos meus dedos.

Sócrates Santana disse...

Muitos comentários são como postagens. Muitas postagens (ainda bem que não chegamos neste estágio) são apenas comentários. O poema sem dúvida é um comentário, tal como o comentário feito pela Raiça é um poema ou meta-poema sobre um comentário. Tudo isso lembra As palavras e as coisas, e um quadro que gosto muito chamado Las Meninas. Algo por dentro de algo que perpassar algo sobre algo que esta diante de algo.

Anônimo disse...

O texto, que não julgo poema, por uma questão de ordem, está além de uma crítica. Aqui, a arte encontra a arte, como um cego encontra outro cego. Plenitude. Raiça, como artista-mor, sabe disso, e tanto sabe que dialoga com arte a arte do autor. Ela sabe onde a crítica pode e não pode chegar, ela, repito, artista-mor, sabe como e onde deve pôr as palavras num momento como esse. Poeta, atriz, cantora, e sobretudo referência para nossas cabeças e corações pensantes e não-pensantes. Salve Rai!!!

isma.