sexta-feira, 29 de junho de 2007

O que faltou da escada

Ismael Teixeira

Café. Fim de tarde. Pés na calçada fria. Os carros voltam para casa. Entretanto, faltou poesia. Faltou poesia nas escadas. E cada degrau é uma hora. Numa escada passa o dia. Passa. Mas hoje não foi embora. Tudo ficou no mesmo lugar. Telefone fora do gancho. Papel para assinar. Ninguém soube para onde foi. Se procura em outra rua. Longe. Distante daqui. O que faltou da escada. O tempo continuou o tempo. Mesmo manco. Tempo. O mundo que caiu naquele dia continuou mundo. Mesmo em pranto. Mundo. Café. Fim de tarde. Pés na calçada fria. Ninguém soube para onde foi. Se ainda procura em outra rua. Longe. Distante daqui. Talvez tenha achado. O que faltou da escada. E conseguiu terminar aquele dia.

4 comentários:

Sócrates Santana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Sócrates Santana disse...

É uma construção narrativa bastante interessante. Quase sinestésica? Ao ler somos induzidos pela pausa incessante, pontos, frases curtas, sem vírgulas. Percebemos uma relação entre a mensagem do texto e o formato. Forma e função juntas. O ritmo é fundamental. Os passos que não foram, ficaram. O exitar, o devaneio, o tempo refletido. Cada frase é um degrau que não aconteceu. E não aconteceu porque o tempo foi coisificado, automatizado, robotizado, macanizado, não-refletido, porém, repetido, repetido, repetido. Brilhante, principalmente, ao lermos em voz alta. Aos poucos somos levados pelo ritmo do texto. Engolimos as vírgulas no meio dele e aceleramos, aceleramos a leitura outrora concatenada, que passa por uma fase extressante, mas que guarda no final uma mensagem belíssima.

Anônimo disse...

Sim. O texto é uma escada. Poucas conjunções e orações subordinadas exige que leitor ligue os sentidos, nem sempre presente na concatenação lógica do texto. Devemos procurar no texto o que faltou da escada, o seu fim, esse sentido perdido como na própria vida, no dia que narra o autor. A procura de sentido, que ele chama poesia, é o que faltou da escada.

isma.

Unknown disse...

O autor utiliza o termo "escada" para metaforizar sobre a vida. A vida que passa, sem poesia. Pura monotonia. Nota-se que o autor recorta um período do tempo - fim de tarde - para fazer essa reflexão, posto que esse período costuma causar sensações de desconforto nas pessoas.
Em relação à estrutura, é bastante interessante a construção do texto - cíclica - que pode, outra vez, reafirmar à idéia da vida reificada, principalmente nesses tempos que chamamos de contemporaneidade.