Decreto a morte do significado e de todas as derivações do real, que nada mais são que especulações, produto da fantasia. A comunicação, se quiser se manter íntegra, deverá deixar o terreno falso da ilusão e fazer o papel inverso - transformar o significado em significante colocando cada sentimento em cada idéia correspondente. Tudo o que foi construído, principalmente no século XX, deverá ser revisado. Aqueles que permanecem na indolência somente boiarão no seu próprio vazio. Nada mais podemos fazer além de viver o seu próprio fato, a idéia signatária do próprio produto da inteligência. O alimento é o pão forjado do esforço de construir o seu per si. O que se terá nas mãos somente será o que poderá ser dado e trocado. Nada mais poderá ser acumulado pois a inteligência é produção sem fim. Chegou o momento do silêncio e da luz. Cada um será empurrado ao seu próprio destino, para retomar sua existência esquecida nas sombras de imagens turvas dos outros. Um grande ruído começa a zunir e os indivíduos pressentem algo que se aproxima. Não é motivo para pânico, é somente a hora de retomarmos nós mesmos. Sabermos que somos todos sós. Segue tua marcha solitário e honra teu nome. Nada mais amigos. Estrelas.
Transformar o significado em significante. Um enorme desafio. Negar a palavra. Certa vez escrevi para um amigo: chamo-lhe irmão, não companheiro, mas irmão. Se fosse possível conter a torrente de significados que contém a palavra, lhe chamaria de outra coisa. Mas, se assim fosse possível (conter o significado da palavra)...não seria palavra, não seria irmão. Portanto, entendo o comentário anteriormente citado como uma menção a responsabilidade de escrever, escolher a palavra. Melhor: escolher o sentimento...a palavra será apenas roupa deste sentimento. Assim compreendo a idéia de transformar o significado em significante.
" Não podemos andar olhando as estrelas quando temos uma pedra no sapato." (Provérbio chinês) Livre-se do que te incomoda.
"Nunca espere a inspiração nem a vontade. Ponha a mão na massa, comece a trabalhar mesmo se estiver num dia ruim. E a inspiração vai surgir." (Glocheux) Aproveite o que tem agora.
Tens alma, saúde e mãos, então escreva, seja com linhas de signos ou linhas da vida. Ismael Teixeira, tu és e sempre será poeta.
Sérgio Augusto Não seria ótimo que uma só palavra pudesse expressar aqueles presentes que a gente dá para aplacar uma culpa? E aqueles desejos e caprichos que costumam acometer as mulheres grávidas? Não poderiam ser resumidos numa só palavra? E aquilo que a gente sente por uma pessoa que um dia amamos, mas deixamos de amar? Não teria um nome? Tem, sim. Para tudo existe uma palavra. Pena que quase sempre em outra língua e geralmente intraduzível.Foi o que aprendi vivendo, viajando—e, acima de tudo, lendo um livro do professor Howard Rheingold, intitulado There´s a Word For It, lançado no final da década de 80. Ao lado de vocábulos já universalizados, como déjà-vu (que já consta do Aurélio), mantra (idem) e bricoleur, Rheingold listou outros, que são autênticas preciosidades semânticas, boa parte em idiomas tão fora do alcance comum como o sânscrito, o chinês, o javanês, o balinês e o havaiano. Não incluiu a nossa tão decantada e superestimada saudade, no que, a rigor, fez bem, já que ela pode ser substituída, sem grandes perdas, por nostalgia, longing, Sehnsucht e banzo.Mais singulares do que saudade, por exemplo, são Drachenfutter, dohada e razbliuto. Agora vocês já sabem como expressar de forma concisa (Drachenfutter) aqueles mimos com que os maridos farristas e adúlteros presenteiam as suas Amélias, após uma noitada fora, aqueles desejos e caprichos (dohada) que costumam acometer as mulheres grávidas, nas horas mais impróprias, e aquela estranha afeição (razbliuto) que sentimos por alguém que deixamos de amar. Drachenfutter é um termo alemão; dohada é tão sânscrito quanto mantra; e razbliuto, apesar da sonoridade italiana, veio da Rússia.O alemão pode ser uma língua eufonicamente bisonha, de pedregosa prosódia, para muitos impenetrável, mas sua versatilidade semântica, digamos assim, talvez só não seja maior que a do inglês. Vivemos cercados de termos alemães, incorporados não apenas ao jargão musical (Lied, Leitmotiv) e filosófico (Gestalt, Dasein), mas também a instâncias mais elásticas, como Zeitgeist (espírito do tempo), Doppelgänger (duplo) e Weltanschauung (cosmovisão), esta última já incluída no Aurélio. Outros mais poderíamos agregar ao nosso vocabulário, enriquecendo a língua franca a que fomos inexoravelmente condenados. Pela prosaica razão de não dispormos de similares para Drachenfutter, Torschlüsspanik, Korinthenkacher, Weltschmerz e Schlimmbesserung na última flor do Lácio, mal não faria a vulgarização desses vocábulos entre nós. A menos, é claro, que conseguíssemos sintetizar numa só palavra o medo que as moças solteiras sentem quando começam a passar da idade de casar (Torchlüsspanik), aquelas pessoas extremamente preocupadas com detalhes irrelevantes (detalhista é pouco se comparada a Korinthenkacher), a cavernosa tristeza de certos jovens (Weltschmerz) e o resultado adverso de um suposto aprimoramento (Schlimmbesserung).Se ditames protecionistas nos obrigassem a incorporar apenas uma palavra do alemão, eu abriria mão de todas as citadas para ficar com Schadenfreude. Esta é tão significativa e única que americanos e ingleses a utilizam com freqüência há muito tempo (oficialmente desde 1852, que foi quando o arcebispo R.C. Trench empregou-a pela primeira vez na Inglaterra), inclusive em textos jornalísticos, sem ter de explicar entre parêntese o seu significado, pois boa parte dos povos de línguas inglesas sabe que Schadenfreude (pronuncia-se chadenfroid) é aquela sensação de prazer que a desgraça alheia nos provoca.Por que rimos quando alguém escorrega numa casca de banana? Schadenfreude.Por que tantos se divertem com as agressões mútuas dos Três Patetas? Schadenfreude.Por que tantos se regozijaram com a situação de Pinochet em Londres? Schadenfreude.No carnaval de 1947, Francisco Alves lançou um samba de Benedito Lacerda e Herivelto Martins, “Palhaço”, que começava assim: “Eu assisti de camarote/ O teu fracasso/ Palhaço/ Palhaço...” Schadenfreude puro.É mais do que um sentimento sádico, uma desforra ressentida, uma emoção cruel. Ou seja, é tudo isso somado a mais alguma coisa, uma vingança metafísica. Nada mais humano, no sentido de próprio do ser humano. Nem os mais bondosos cristãos deixaram de sentir um Schadenfreude quando souberam da morte de Hitler. Emoção diabólica, “sinal infalível de um coração perverso”, achava Schopenhauer. Nietzsche discordava. Para ele, a única coisa melhor do que ver um desafeto sofrer é fazê-lo sofrer. Schopenhauer e Nietzsche não podiam faltar —e não faltam— no livro que John Portmann dedicou à expressão Schadenfreude, When Bad Things Happen To Other People (Quando os outros entram pelo cano), recém-lançado pela Routledge International Thompson Organization (242 págs., US$ 26,95). Portmann fez um cuidadoso ensaio filosófico, explorando os variados ângulos do que, a certa altura, define como “um emoção, ao mesmo tempo, pungente e mercurial”, citando aqui e ali algumas pérolas do Schadenfreudismo. Como esta, de La Rochefoucauld: “Sempre encontramos algo que não nos desagrada nas adversidades de nossos melhores amigos”. E esta, de Mark Twain: “Para ser profundamente magoado, você precisa da ação conjunta de um inimigo e um amigo; o inimigo para falar mal de você e o amigo para lhe trazer o notícia”.As melhores, porém, são de Gore Vidal. “Toda vez que um amigo meu faz sucesso, eu morro um pouco”. Mais Schadenfreude do que essa, só esta: “Não basta ser bem sucedido; os outros também, precisam fracassar”.
Texto gentilmente cedido pelo autor. Originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, a 17 de dezembro de 2000.
4 comentários:
Decreto a morte do significado e de todas as derivações do real, que nada mais são que especulações, produto da fantasia. A comunicação, se quiser se manter íntegra, deverá deixar o terreno falso da ilusão e fazer o papel inverso - transformar o significado em significante colocando cada sentimento em cada idéia correspondente. Tudo o que foi construído, principalmente no século XX, deverá ser revisado. Aqueles que permanecem na indolência somente boiarão no seu próprio vazio. Nada mais podemos fazer além de viver o seu próprio fato, a idéia signatária do próprio produto da inteligência. O alimento é o pão forjado do esforço de construir o seu per si. O que se terá nas mãos somente será o que poderá ser dado e trocado. Nada mais poderá ser acumulado pois a inteligência é produção sem fim. Chegou o momento do silêncio e da luz. Cada um será empurrado ao seu próprio destino, para retomar sua existência esquecida nas sombras de imagens turvas dos outros. Um grande ruído começa a zunir e os indivíduos pressentem algo que se aproxima. Não é motivo para pânico, é somente a hora de retomarmos nós mesmos. Sabermos que somos todos sós. Segue tua marcha solitário e honra teu nome. Nada mais amigos. Estrelas.
Ismael Teixeira
Transformar o significado em significante. Um enorme desafio. Negar a palavra. Certa vez escrevi para um amigo: chamo-lhe irmão, não companheiro, mas irmão. Se fosse possível conter a torrente de significados que contém a palavra, lhe chamaria de outra coisa. Mas, se assim fosse possível (conter o significado da palavra)...não seria palavra, não seria irmão. Portanto, entendo o comentário anteriormente citado como uma menção a responsabilidade de escrever, escolher a palavra. Melhor: escolher o sentimento...a palavra será apenas roupa deste sentimento. Assim compreendo a idéia de transformar o significado em significante.
sócrates
" Não podemos andar olhando as estrelas quando temos uma pedra no sapato." (Provérbio chinês)
Livre-se do que te incomoda.
"Nunca espere a inspiração nem a vontade. Ponha a mão na massa, comece a trabalhar mesmo se estiver num dia ruim. E a inspiração vai surgir." (Glocheux)
Aproveite o que tem agora.
Tens alma, saúde e mãos, então escreva, seja com linhas de signos ou linhas da vida.
Ismael Teixeira, tu és e sempre será poeta.
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