Sócrates Santana
Aguardavam todos. Sem reclamar, diga-se de passagem. Ora com as mãos nos bolsos, ora com os celulares encostados no ouvido. A condição incomoda pouco importava. Disfarçavam bem. Não eram nem de longe as lideranças regionais que discursam em grandes palanques pelo o interior. Tão pouco lembravam aqueles homens endinheirados, que fechavam os bares e embebedavam todos por sua conta. Ali todos aguardavam. Em pé, diga-se de passagem. Aos montes, prefeitos, candidatos a prefeito, vereadores, candidatos a vereadores, aguardavam o governador. E não quero aqui dizer que o excelentíssimo não estava, como quem bate na porta e pergunta se tem gente. Não, de modo algum. Só que assim como todos aguardavam a sua hora, a sua vez de falar com o doutor ou com a moça do balcão, assim também aguardavam todos. Em fila. Cada um com o seu crachá, conforme reza a cartilha da Casa Militar. Tudo por uma foto com o governador. Afinal de contas, são eleições municipais.
segunda-feira, 14 de julho de 2008
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4 comentários:
Ótima narrativa. Simples e de bom engenho. A imagem vai ganhando elementos e sentidos aos poucos. Uma mesma imagem. Ótimo. Desfecho certeiro e ecoante.
Você precisa ver a foto...vou colocar em breve...
Aqui, o texto sugerido pelo Sócrates, trata-se de um acontecimento comesinho - a chegada de um governador num evento. Entretanto, o que temos de relevante para ser tratado aqui, um espaço que discute literatura, se o fato em si é um simples acontecimento? Shelley no ensaio "Uma defesa da poesia" explica que a "poese" é a capacidade do homem entender e provocar a beleza em qualquer momento da vida. "Poese" ou "Poíesis" na língua grega nada mais é do que a acção de fazer qualquer coisa. Unamos, portanto, essas duas acertivas e provoquemos o texto aqui sugerido. Ora, a literatura não é o fato em si, mas a interpretação dele, a capacidade do leitor e escritor, juntos, produzirem um novo "ato" para o fato. Essa ação, que fala a epistemologia da palavra é o que um texto literário provoca em face de uma ação morta, ou seja, de um fato acontecido exposto na narrativa. No texto "À espera do governador" o escritor provoca uma ação do leitor quando este é surpreendido. Sem querer explicar e sim provocar ainda mais, penso que a beleza, dentre outras coisas, é um desencadeamento inédito no qual algo é acrescido a alguma coisa. "À espera do governador" é um acréscimo, um belo acréscimo. Acresçamos, pois.
ismael.
É preciso destacar os comentários. O primeiro, revela a percepção de uma boa leitura. Não falo da "coisa lida", mas sobre a leitura em si. Se a narrativa gera imagens, gera porque quem escrevei trabalhou com signos que requerem uma referência ou uma memória mínima do leitor sobre o signo apresentado. Sobre o segundo comentário, propomos uma discussão que não realizamos faz um bom tempo. A discussão sobre a crônica ou a leitura poética da realidade. Foucault afirma que “por mais que se diga o que se vê, o que se vê não se aloja jamais no que se diz, e por mais que se faça ver o que se está dizendo por imagens, metáforas, comparações, o lugar onde estas resplandecem não é aquele que os olhos descortinam, mas aqueles que as sucessões da sintaxe definem”. Afinal, palavras e coisas não coincidem nunca. Por isso, "a literatura não é o fato em si, mas a interpretação dele, a capacidade do leitor e escritor, juntos, produzirem um novo "ato" para o fato. Essa ação, que fala a epistemologia da palavra é o que um texto literário provoca em face de uma ação morta, ou seja, de um fato acontecido exposto na narrativa". É isso aí. Façamos isso: poesia, crônica, literatura, realidade.
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