quarta-feira, 5 de março de 2008

Notas mínimas

Sócrates Santana

1
O relógio desenhava quatro horas em ponto, a sinaleira da Avenida Manoel Dias iria abrir em nove segundos, faltavam dez minutos para a esposa bater o cartão e três prestações para quitar o crediário. Por de trás do volante, um semblante pálido e assustado. Verde. Engatou a segunda e sentiu uma mão ágil puxar o seu relógio.

2
Saiu avoado. Tão rápidos quanto às mãos eram os pés. Calçava trinta e oito. Pés pequenos para um moleque de dezesseis anos. Dobrou a Rua Brasília e encontrou na casa vinte e cinco, um senhor de meia idade que consertava relógios. Ofereceu a peça por quarenta reais. Ganhou vinte e cinco.

3
O velho repassou a peça por setenta e cinco reais. O rapaz de terno número quarenta guardou o exemplar na pasta. Deu sinal para o alarme do carro e entrou sem maiores sobressaltos. Dirigiu até um armarinho, onde compraria uma caixinha para o relógio por apenas um real. Embrulhou o mequetrefe e saiu correndo até a casa trezentos e cinqüenta e três, avenida Paulo VI. A irmã mais velha abriu a porta e lhe deu um longo abraço.

4
Depois de desembrulhar o presente, ela suspirou assustada. O relógio de meu marido. Eram dezoito horas. Pensou que fosse uma brincadeira do irmão caçula. Ele disse que não. O marido aturdido pulou no pescoço do rapaz. Muita correria dentro de casa. Um grande mal entendido. Foi a conclusão. O telefone tocou.

5
Apanharam o garoto. Na verdade mataram-no. Morreu com uma cédula de cinco reais na mão. Iria pagar uma dívida de cinco reais aos traficantes do bairro. Um policial avistou a movimentação e atirou sem mais explicações. Logo a imprensa chegou no local. Eram sete horas e quinze minutos da noite.
6
Sete horas da manhã. Ainda faltavam dois minutos para o bolo ficar no ponto. O carteiro lança o jornal pela janela. Um rapaz morreu após uma troca de tiros com a polícia por volta das sete horas e quarenta e cinco minutos da noite. Descrevia o lead. O motivo. O de sempre. Tráfico de drogas.
7
Uma semana atrás. Um policial conversava com um adolescente. Ele cobrava o dinheiro referente à proteção da quitanda da mãe do garoto. Vinte reais. O menino explicou que não tinha a quantia. O policial deu-lhe um murro no estômago e um prazo de uma semana. Não deu tempo.

2 comentários:

Anônimo disse...

sem papo furado? adorei isso.

ismael

Senhorita B. disse...

Oi, Sócrates,
Esse é um dos meus contos favoritos:
http://www.panoramadapalavra.com.br/conto66.asp
Obrigada pela visita.
Abraços,
Renata