Ismael Teixeira
Nasceu em dia contrário. De costas. Ninguém viu seus olhos. Os médicos disseram que parecia que fazia ainda algo lá dentro. Mais tarde, numa página de caderno velho encontrado no estrangeiro, dizia ironicamente que estava terminando seu verdadeiro livro. Chorou. Mas chorou de raiva. Nesses tempos de palavras um escritor não tem escolha. Se não tiver a pretensão de ser deus melhor somente pensar. No berçário notavam uma criança diferente. Sorria. E parecia sorrir para o inferno. Nas ruas os carros andavam para trás, mas ninguém acreditou. Comentaram que era coisa da idade. Acalmaram sua mãe. Freqüentou igrejas. Mas não adiantou. Os desenhos infantis eram estranhos demais. Nada pareciam com o que observava tanto da janela do quarto. Um livro não é quadrado por acaso. Cresceu impassível entre a juventude estúpida do seu tempo. Gostava do silêncio. No silêncio se pode ouvir com atenção o momento que cochilam as horas. Os entre-segundos mais belos. Então escrevia com seus olhos fechados. Não tinha tempo, comentava. Sorria ainda infante quando alertava: jamais pense que você é maior do que o que lê. Leia como quem caminha nas águas. Qualquer descuido morrerá afogado. Um livro no fim é sempre um alerta. Um livro no fim é sempre um alerta. Como qualquer pessoa seu hobby era entortar os ponteiros, amansar a terra, salvar formigas e mariposas nas praias. Como qualquer pessoa acordava cedo para olhar o amanhecer e lembrar de algum verso perdido de Rimbaud, andar de olhos fechados no deserto, ser e não ser alguém. E os anos gritavam. E as pessoas andavam para trás. Mais tarde num livro de sucesso escrevera que os relógios não paravam de cansaço, mas por obediência. Ninguém entendeu. Aos dezessete anos foi encontrado morto pela segunda vez. Pouco depois teria de mostrar suas poesias para alguns psicólogos. Desenhou todos eles. Em todas as figuras ao lado dos médicos havia uma árvore velha. Poesia não mata a fome. Foi tudo o que puderam dizer. Não respondeu. Mas pensou: Mas não mata a alma. Quando morreu ninguém viu seus olhos. Ninguém sabe para onde vão os olhos de um escritor. Um jornalista indiscreto ousou perguntar certa vez para onde tanto olhava – talvez por notar algo vago e distante em seu semblante. Olho para onde posso caminhar livre, respondeu. Na matéria havia algumas frases que causaram constrangimento anos depois: um bom livro é quando se pode lê-lo depois de fechado. Ninguém é capaz de ler o que realmente escreveu um verdadeiro escritor. Ele nunca está aqui, porque não nasce, como todos os homens. Rumores da história ilustram que um bêbado desconhecido havia dito em sua embriagues que vivia na lua porque a lua caminha igual aos planetas, e os planetas caminham igual a deus. Os homens andavam para trás. Mas ninguém entendeu.
quarta-feira, 19 de março de 2008
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2 comentários:
A jovem literatura nasceu novamente. Se move como se fosse um eletron, como se partículas de pensamento fizessem parte dos novos pensamentos que ainda estão por vir, como se uma vírgula fosse uma esquina (ninguém sabe o que vem pela frente). A jovem literatura encobre os signos com novos signicados, explica que os olhos não são as janelas da alma, mas o pensamento livre que é refletido entre o que se vê e o que se pensa sobre o que se vê. A jovem literatura nega a convenção das palavras e o estrutaralismo. Escrever não é contar, escrever não é combinar palavras, escrever não é imitar a realidade, escrever não é escrever. Escrever é pensar, escrever é ler o que se lê, pois, mais importante que ler é o que se pensa sobre o quê se ler.
"A página perdida" é a página que não está ali, mas está. Não é a negação, nem a ausência de complemento, é a palavra invísivel. É o que é sem dizer. É acreditar nesta biblioteca infinita, neste livro infinito que é o pensamento. A jovem literatura somos nós!!!
A jovem literatura afirma e aceita o clichê: todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som. Mas ela vai mais longe.
Também diz que todos os dias tem a sua história (tudo bem), mas se fossemos falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo? Pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é este que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca. Por isso ela é eterna e sempre jovem literatura.
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