sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Carta - Oração a Maria

Raiça Bomfim

Venho aqui a confessar-te, Maria, não estar arrependida do que hoje é só memória, pois a estrada que uniu-nos me guiou a este lugar em que encontro outras venturas. Se, por amor de quem hoje te acompanha, eu, um dia, pobre humana, maculei-te em pensamento e, ainda àqueles tempos, tua candura d’algum jeito me aplacava, quando agora, cá de longe, vejo-te, a escolhida, tão serena em teu altar, e são outras minhas escolhas nessa vida, não restou mal no que sinto ao recordar-te. Ao olhar pra teu menino, esse teu menino santo, vendo o pai nascer no filho e os espíritos sorrirem, a beleza deu-se ao peito, e à mãe, minha senhora, de olhos brandos, de esperança, quem então não amaria? Acredite em meu intento, eu, Maria como tu, eu, das dores, cujas flechas, sim, sangraram-me teu nome, quando o que julguei ser meu abrigou-se em tua alcova, e cravaram-no tão fundo que até hoje, em alegria, ainda guardo a tua imagem. Pois agora venho a ti pra lhe dizer que o sentimento já é outro e procura tua palavra, pois da sina das Marias compartilho, e compreendo teus pesares, reconheço teus anseios, sei da dor do nosso tempo, da família, das raízes, da nossa velha cidade. Vamos todas nesse enlace, e em nós, ele é pungente, que há marcas que encobertam-se na alma e carecem de desvelo para não redescobrirem-se em postas sob a cruz que carregamos nas torrentes invernais. Se em meu caminho foi-me dada tua presença como a de outras e outros tantos, reconheço nos encontros a esperança desta raça, e ao nosso ainda falta o milagre da ternura. É por isso que aqui venho com lisura e abertos braços a esperar-te num sorriso, pois o laço do destino que uniu-nos, minha amiga, só desata a libertar-nos com um abraço.

2 comentários:

Anônimo disse...

Li essa carta ainda no blog da autora e recordá-lo aqui foi ainda melhor. Sócrates, na maestria de quem estuda e faz a boa política, sabe que ampliar os espaços com a diversidade é a primeira garantia de que jamais haverá fome. Voltando a carta, quero descrever primeiramente a comoção. E a comoção nasceu, suponho, da humildade como foi escrito esse texto. Uma confição sempre comove, pelo seu traço de sinceridade e otimismo frente a um engano cometido. Mas não só isso, a candura, a devoção e a entrega, que devemos fazer sempre aos seres máximos, visto que entre nós a entrega é desastrosa. Compreender Maria, é estar com ela, submeter-se a ela, e enfim, lavar com paz as dores e as feridas. Confesso que penso ser um texto de sabedoria visto aqui que os encontros com esses seres do bem que personificamos em nossas vidas traz sempre a mim um elemento de conquista e de amadurecimento. Mesmo sem transparecer cunho religioso não posso também me ausentar dele, já que a relação entre elas estão ainda nesse prisma. Finalizando, mesmo entorpecido com a idéia da descoberta do conto e das dificuldades positivistas que me faz seguir no desafio de estudá-lo, penso que qualquer manifestação como essa deve ser sorridentemente agradecida.

Um carinho seu texto raiça.

Isma.

Anônimo disse...

Quero acrescentar mais. O cunho religioso que percebi é sutil, embora não seja, necessariamente, um texto religioso. Em primeira leitura li Maria mãe santíssima. Numa segunda. Maria mãe santíssima. Lembro da música "Só as mães são felizes" do cazuza. A música fala que existe mesmo uma diferença entre as mães e o resto do mundo. O resto do mundo "peca". Uma mãe não. Esse imaginário interessante vem à tona novamente na Carta. Mãe. Símbolo máximo. Ser máximo que nos unta numa liganção embrionária, num cordão umbilical de sentimentos profundos do inconsciente. A mãe é esse ser que nos envolve completamente, que nos constitui com seus ossos, com seu sangue. Que aquece e alimenta com o que produz de dentro de si. A mãe é um ser total. Essa nova leitura me fez voltar a essas elocubrações novas que gostaria aqui de pontuar. Cada leitura, nova leitura. Mais beleza, mais beleza... lindo. Um Bravo a todos nós presentes nesse momento.

Isma.