terça-feira, 7 de agosto de 2007

Escritos sobre a greve - 5º PARTE

Soul Sócrates

Com pressa nas estribeiras, corria amendrontado pela via principal, braços encolhidos, pernas truncadas, cabeça baixa. Os signos e os sentidos daquele folheto pertubavam cada vírgula da sua cuca, que desabituada ao exercício das respostas, procurava encontrar - uma incerteza que fosse - naqueles escritos, pois, era na dúvida que ele existia. Nunca procurou um mundo pronto, nem tinha qualquer pretensão - ao realizar tantas perguntas - de formular uma teoria que abarcasse em sua totalidade a imensa e complexa contradição presente na realidade. Mas, tudo estava latente e tilintava como uma torneira semi-aberta na pia de lavar pratos que se tornou a sua mente. Ao ler e sentir a retina aprofundar linha por linha, o menino pós - engessamento começou a andar em círculos e esperar que as palavras repousassem sobre as vísceras do seu pensamento. Elas fervilhavam, pulavam, cantavam, marchavam íngremes sobre a alvorada da razão, que explodia os porões da inconsciência, condenando os sonhos, a fé e a esperança à uma mensagem chamada verdade. Sem versões, ângulo, perspectiva, juízo, lado, sinopse, resumo ou interpretação. Pura, insossa, seca, direta e objetiva. A verdade veio inteira, sem atalhos ou qualquer mapa para indicar o caminho. Era ela e pronto. Estava decidido. O nonagésimo simpósio do partido maior seria marcado pelo grito da palavra. O manifesto, o estatuto, as cartas, o regimento interno do partido, as teses, as resoluções e emendas, tudo estava fadado ao fim. Assim dizia a mensagem. A desconstrução, o desbotamento, o rosto incolor e pálido daquele menino entristecia até mesmo o mais bobo dos palhaços, que não tinha sequer o gesso branco e rígido sobre o braço dormente a disposição para escrever qualquer coisa alegre ou engraçada, capaz de abrir um sorriso, mesmo que de canto de boca, amarelo ou cor parecida no semblante fúnebre que tomava pouco a pouco a forma predominante da sua face. A verdade tomou-lhe a alma e a palavra adormecida contava os dias para ser pronunciada novamente. Depois de ler o panfleto descartável, o menino e os palhaços postos "logo atrás" por acaso, descobriram até mesmo por quem seria dita a palavra inaudita, mas, não acreditavam. Sem ataduras, esparadapos ou qualquer curativo, o menino teria sido resignado a concretizar a façanha. E os palhaços. Os palhaços surgiram por acaso, como numa cena ionesca.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE

2 comentários:

Anônimo disse...

Li o texto três vezes. Não sei se é uma postura comum de um crítico especificar quantas vezes teve de se debruçar para fazer seu juízo. Li três vezes. E nas três vezes, até agora, acompanho um herói. Um herói que vejo ser pintado nesse folhetim eletrônico há semanas. Um herói mascarado pela ausência de descrição. Um herói que se desloca, fervilha, se angustia, enquanto o mundo ao redor permanece. A contradição, os sentimentos, parecem só nele existir. Mas até então. Seu motivo. Condição de todo herói para agir, e ser herói, não foi apresentado.Ora como político, ora como menino de rua, Ora como artista. Taí o enigma do texto. A própria verdade sobre o personagem principal. Mais do que a sua busca, o porquê de suas ações.

isma.

Anônimo disse...

O autor, destaca o comentário feito sobre o traço narrativo que não apresenta simplesmente o personagem por meio da descrição facial e gestual, mas, principalmente, pelo caráter psicológico. Sem dúvida, uma influência de Tolstoi, mas sem os rodeios de um dos maiores (talvez o maior) romacista da história. O autor exauri ao máxima a capacidade de desencadear uma história sem os recursos descriticos comuns e impondo sobre a narativa reflexões que falem sobre um época cada vez mais presente, porque acontece à todo instante. Mas, é incrível como os comentários são aguçados. A Raiça tocou em pontos primorosos e o Ismael Teixeira, além de devaneios positivos, também cutuca o íntimo dos personagens e do autor ao promover, a cada comentário, uma interpretação sobre o discorrer de uma história que não para de acontecer. Sem dúvida, é uma história fantástico, não pela própria narrativa, mas pela maneira que vem sendo construída: dia a dia, após cada leitura, comentário, discussão. É a publicação de algo que não aconteceu por completo e nem sabe se vai. Por isso o enigma é duplo.