Ismael Teixeira
Beira do mar. Noite. Lua. O vento folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Pedaços de si voam. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. O meio do mar é a agonia. Distante da utopia do horizonte. Da segurança da terra firme. Sereias. Tormentas. Ele sabe. Insiste. O caderno pára. Frases curtas aparecem. Um texto de pausas. De espera. Paciência. Espera de um barco. A ver surgir no mar. Uma barcarola que de há muito prometia o retorno. Lançada ao deus dará. Marcha na imensidão. Por toda a eternidade. Barcarola. Barcarola. O texto repetia essa nau. Como uma prece. Uma evocação. Um pedido de lamento. No silêncio de quem muito ainda espera. Ele coçava o nariz gelado. Esfregava os olhos. As olheiras cansadas. Há muito tempo. Tempo de noite sem fim. Lançavam-se ao mar todos que não falavam a verdade. Poetas. Loucos. Profetas. Artistas. Mendigos. Filósofos. Doentes. Todos que se negaram dizer a verdade. Naquele tempo havia só uma verdade. Como hoje. E foram ao mar. Todos. Não se sabem quantos barcos desses houveram. Muitos. Talvez. Alguns acreditam que o suficiente para expurgar da terra todos aqueles da mesma ousadia. E expulsaram. Até não sobrar nenhum. Nenhum capaz de inventar outra verdade. O sol continuou sol. O claro continuou claro. O dia continuou dia. Pessoas alegres transpiram. A mesma verdade de todo dia. Beira do mar ou horizonte. Nada estranho. Nenhuma agonia. Noite. Lua. O vento ainda folheia seu caderno. Desfolha seus desejos. Ele sente. Sorri. Volta novamente seu olhar. Fixa o meio. Insiste. Uma barcarola que de há muito prometia voltar. Voltará. Esqueceu um. Apenas um. Voltará.
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
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9 comentários:
não sei o que falar...mas as poucas palavras...parecem ter vindo da proa...um pouco de silêncio e agonia....diante de um mar que parece paralisado...no meio de uma embarcação tão tensa...aparece a ternura em meio a amplidão...lindo!
lu
É de ponto de amarração, sinto palavras fluidas e ao mesmo tempo cheia de nós. E de nós como gente divididos entre os nossos sinceros prazeres duplos feminino, masculino, a volta que talvez não aconteça, tudo dissolvido num imenso verde, macio, belo e traiçoeiro: o mar. Lindo. Lindo. Lindo.
Beijos pretinho!
Todos os dias têm a sua história, um só minuto levaria anos a contar, o mínimo gesto, o descasque miudinho duma palavra, duma sílaba, dum som, para não falar dos pensamentos, que é coisa de muito estofo, pensar no que se pensa, ou pensou, ou está pensando, e que pensamento é este que pensa o outro pensamento, não acabaríamos nunca.
Obs: gostei tanto do que o seu texto me provocou que escrevi a reflexão acima. Acho que basta.
Quem tem coragem de se lançar ao mar, ao meio, à deriva, sem a segurança da areia, do que é dado, que esta sendo, do que é caminho pré-pronto cedido aos pés?
Quem tem coragem de se lançar ao mar, ao meio, à deriva, sem a segurança ilusória do horizonte, do que podemos imaginar que ali se esconde, pr’onde cremos que poderemos fugir quando o chão rachar?
Quem tem coragem de se lançar ao mar, ao meio, à deriva, onde a verdade é a imensidão e só pode ser sentida em gotículas, em espuma...
Onde a verdade é o encontro de pele e sal, de sol e cansaço, de vento na lágrima.
Onde o tempo margeia o mar que ali está, em água e sal real, verdadeiro, doado à eternidade para que ela, gota a gota, o revire, repinte, re-umedeça, reconstrua, e o mar sob o pincel do artista, que traço a traço é redescoberto, re-poetizado, re-profetizado, empobrecido, adornado, re-significado para só fazer-se verdade no fim da eternidade.
Creio que quem foi nas barcarolas sabia que a verdade da obra é a morte, e lançou-se ao mar, ao meio, à deriva, para encontrar-se em cada marola da verdade-vida.
“... navegar é preciso, viver não é preciso...”
A última reflexão escrita foi uma contemplação estética ao desembaraçar das palavras desta narrativa de vanguarda. Primeiro, tentei caminhar por caminhos diferentes do autor ao escrever. Ao contrário da retidão das palavras, preferi adotar o desafio de lançá-las ao mar como vieram até a mente, levando-as até as mãos sem o retoque dos editores. É uma demonstração do que não foi feito pelo autor. Mas, é preciso ir em frente na crítica. Comecei procurando na narrativa os motivos e argumentos que levaram o autor a escrever de forma contida e não de maneira entregue ao desafio de não encontrar no próximo passo a palavra que melhor expresse o sentimento e a experiência vivida. Por isso, preciso rever "O que faltou da Escada". Assim como Barcarola, o autor contemplou no referido texto o desenrolar refletido do tempo, referindo-se a ele através de uma crítica ao mecanicismo, a ordem social, ao mascaramento da vida cotidiana, falando dele (o tempo), como se estivesse falando de algo distante, que não é presente ou que falta. O que não se afasta de Cinela, porque, neste texto também vislumbramos o que não é visto por causa da frenética e agitada rotina. Uma agitação, porém, vazia, diria o autor. Essa obra é única, mas desencadeia um processo que passa por "Sem título", que fala do lugar "Onde dorme a calma das palavras", assim como "O tempo e as horas", que fala de um personagem que conhece como poucos o tempo. Vale lembrar que "A Barcarola" é uma das obras mais lindas de Pablo Neruda, que reflete a história de um poeta que confessou como poucos a maneira que viveu, contemplando o amor, como poucos fizeram, fora Vinícius de Moraes.
Ainda vou continuar com a crítica.
Sim. O sócrates observou muito bem as relações entre os textos do autor. Mas não somente, captou a peculiaridade da forma. Sabemos que o autor tem preferência em adotar o reducionismo, ligado a estética minimalista, muito embora o porquê dessa adoção ultrapasse o estético pelo estético. A vanguarda referida por sócrates se dá sutil. As orações quebradas, as palavras presas a pontos dão mais força a palavra em si do que o discurso. A valorização do ponto, é a valorização da afirmação, da imposição da idéia que o autor quer passar. Outro aspecto relevante nessa forma é a dificuldade do leitor comandar o texto, ditar seu rítimo. O autor quer que o leitor verifique ao máximo cada assertiva, cada momento do texto. Uma leitura rápida e desatenta impossibilita dramaticamente a compreenção, coisa que não ocorre por exemplo em orações mais longas. O texto, portanto, torna-se cada vez mais texto e menos oral, menos discurso. O não uso de subordinação é outra pérola a ser considerada. Trazida da poesia, além de enriquecer a obra, força o leitor a fazer as ligações subjetivas entre as frases pelo não uso do contudo, entretanto, que, e, etc. O leitor, assim, é forçado a participar da obra, simplesmente porque é exigido muito mais do que apenas pular de palavra em palavra. O autor sabe que literatura não pode ser uma história. Uma história é uma história. Outra consideração não menos importante é que a estética ainda é política e filosófica. Conter o ritmo do texto é conter o ritmo acelerado do mundo, das pessoas. Essa desaceleração é fundamental e é outra exigência do autor. O tempo da leitura, seja ela qual for, não é o tempo convencional do relógio. É preciso separar mesmo as coisas. Sem delongas, não cabe falar dos outros aspectos presentes no texto. Essa talvez, seja uma leitura livre e que todos tenham o prazer e o desprazer de construir a sua maneira, da forma que pode.
isma.
Cabe ainda um comentário ao comentário da Raiça. Seu requinte poético enriquece sempre suas abordagens. Perde na análise mais científica, acadêmica, mas ganha na dimensão, no desdobramento. Aproveitando o ensejo, permitam-me discorrer um pouco mais sobre a crítica. Percebo, a cada dia, que a crítica tem o papel, dentre outros, de dar movimento ao que já é movimento - a obra analisada. E para isso, talvez, é necessário alguns pontos a serem considerados. O crítico precisa primar pelo que o autor traz de notável, de belo, mesmo se a obra seja considerada "menor", ou não assuma a expectativa criada. "Todas as coisas são belas" disse Caetano. "Olhe como são lindos seus dentes" disse Jesus a um animal apodrecido. Olhar a beleza é um ato de coragem, e de altivez. Apenas os belos conseguem primar a beleza. E a boa crítica deve saber separar o joio do trigo. Não quero aqui defender uma crítica cega ou ingênua. Muito menos que batamos palmas a tudo que vemos. Mas pelo contrário, fazer com que a arte seja respeitada e valorizada sempre. Seja ela mais simples ou mais elaborada, mais técnica ou intuitiva. Não importa. Chopin e um vaso asteca estão na mesma dimensão. Óbvio que é preciso o crítico conhecer a técnica artística, analisar bem a obra, escrever com cuidado, e, ainda mais, não querer nunca ser maior que a arte que escreve. Mas, voltando pro início da argumentação, lembrem-se que a arte estará sempre um pé em nossa frente. Ou, seja, respeitemos aquilo que não conhecemos, que é maior que nós, que vem e vai a uma outra dimensão, como um disco voador, sem pedir licença. Respeitemos.
Isma.
Não vou continuar com a crítica. Já foi dito.
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