Sócrates Santana
O inverno é como verão neste lado do mundo. As folhas não caem e as pessoas apenas oram. Ouviram falar, um dia, não se sabe quando, sobre um tal Água, que deus a tenha, e lhe guarde uma boa morte, amém. O hábito de orar alimentou por décadas um povo que ainda guarda na língua cativa a palavra água. Vivem, não se sabe como, de ouvir falar. Acreditam na água, não se sabe por quê, de ouvir falar. É como se fosse uma lenda, uma profecia ou um conto de Borges. No vilarejo seco, de chão teso, padre louco e povo mouco, a água não é benta, mas é santificada pela crença dela existir. Os velhos falam às crianças na praça sobre a promessa de outros homens vestidos de paletó, que discursavam sobre alegóricos palanques de uma terra prometida, entre o sul e o norte, e um sertão que viraria mar e um mar que virou sertão e permaneceu sertão até hoje. A gota d´água não caiu do céu, nem brotou da terra. Também não passou carro-pipa. Uma página bastou. O livro se abriu, o poeta escreveu e a água existiu. A provação acabou.
quarta-feira, 5 de novembro de 2008
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