segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Escritos sobre a greve - 8º PARTE

Um velho barbudo cortou a avenida principal com um livro nas mãos, logo depois do menino de braços nervosos dobrar a esquina e terminar a canção ensinada pelo avô. Antes do velho descer as escadas do metrô, o menino pôde ler o que estava escrito na capa: 1979 passos para organizar uma greve. Ele não hesitou e foi atrás do livro. Quando era pequeno, o menino ouviu uma lenda que falava de um livro com 1980 páginas. Nunca entendeu por que se falavam do número de páginas e sempre achou um exagero escreverem tanto para no final ler o que todo mundo já sabia desde a primeira linha. Encontrou o velho barbudo sentado na beira dos trilhos com o dedo indicador orientando a leitura. O velho barbudo escutou os passos do menino de braços nervosos logo atrás(as pernas dele também estavam tensas), parou a leitura, ergueu a cabeça, virou meia face (o que seria meia face?) e disse que a greve não existe e não pode existir.Segundo o velho barbudo, a greve é injustificável e, ainda se fosse possível realizar uma, não saberíamos por onde começar, pois, a greve foi apagada da história, restando apenas 1979 páginas. Mas não seriam 1980 páginas? Questionou o menino. O velho barbudo franziu o rosto com a pergunta e amassou uma das páginas que estava em sua mão, levando-a até a boca. Mastigou e engoliu. Agora são 1979, ou não?

Escritos sobre a greve - 1º PARTE
Escritos sobre a greve - 2º PARTE
Escritos sobre a greve - 3º PARTE
Escritos sobre a greve - 4º PARTE
Escritos sobre a greve - 5º PARTE
Escritos sobre a greve - 6º PARTE
Escritos sobre a greve - 7º PARTE

4 comentários:

Anônimo disse...

ah.. que delícia. sinto que escreves cada vez melhor. a segurança das linhas e dos pontos. o ritmo que marca cada passo de uma dança. as idéias que pululam entre os verbos fazendo imprevisíveis curvas. os símbolos, as estátuas, as telas cada vez mais próximas e distantes. já sentia saudade da inteligência textual - uma espécie de cobra enrolada em forma de quadrado que causa miopia e estigmatismo para nossas próprias imagens i-magéticas. enfim. mágica.

ismael.

Anônimo disse...

Não foi somente o velho barbudo, o 1979, o 1980 - alusões ou dicas a história brasileira que me chamou atenção. Não foi a capacidade do autor de "brincar" com os fatos históricos no final do texto. Levantar reflexões a cerca do real usando a ficção, ou simplesmente hiperbolizando a ficção através do real. Não foi somente a ironia inteligente que usa para meta-aproximar o leitor do absurdo que é a literatura. Usando quase que a psicodelia de Lewis de "Alice" para retratar um mundo banal como qualquer outro. Mas sim brindo o que não vi. O que não pude ler no texto. E é exatamente o que não se pode ler que está o texto de uma boa obra de arte. A arte não envelhece pois ela não está ali, como nós estamos. Ela está em outra dimensão. Olhamos para ela porque queremos superá-la e é esse esforço que nos lançamos ao impossível. A verdadeira arte não cabe nela, no seu criador, nem em ninguém. É imortal pois cega, mata nossos porquês, nossa razão.

ismael.

Anônimo disse...

Greve
Augusto de Campos

Arte longa vida breve
Escravo não se escreve
Escreve só não descreve
Grita grifa grafa grava
Uma única palavra
Greve.

Anônimo disse...

muito bom