terça-feira, 7 de agosto de 2007

Escritos sobre a Greve - 6º PARTE

Soul Sócrates

As moças e moços das lojas de grife conduziam os maniquins até o camarim, ali, trocariam as vestimentas e receberiam o roteiro do diretor de arte e fotografia da nova coleção, que nas entrelinhas mandava que fizessem caras e bocas,esboçando um ar melancólico e distraído. Com os olhos voltados para o horizonte, retornariam até a vitrine - andando feito emas- após serem devidamente maquiadas e assumiriam, definitivamente, o lugar dos centros de meteorologia, indicando a mudança de estação, desempregando milhares de moças que um dia esperavam ser ancôras do telejornal das oito horas. Era o último sinal necessário para os dirigentes majoritários do partido maior anunciarem aos alto-falantes e aos carros de som, a abertura do cadastramento final dos participantes do nonogésimo simpósio vermelho cor de esperança. E quem era o primeiro e único da fila. O menino de braços cruzados, que aguardava a escrivã fulana de tal completar o último mover do mouse para finalizar uma jogada de um game curiosamente apelidado de paciência. O semblante preocupado e tenso de outrora mudou na mesma medida das partes aparentemente desconexas desta narrativa, que encontrou no artifício do ocultamento a fórmula do suspense, capaz de segurar a atenção do leitor até a parte posterior desses Escritos sobre a greve, que irá revelar, quem sabe na próxima leitura, qual será a palavra cantarolada pela imensa massa silenciosa filiada ao partido maior.

Escritos sobre a Greve - 1º PARTE
Escritos sobre a Greve - 2º PARTE
Escritos sobre a Greve - 3º PARTE
Escritos sobre a Greve - 4º PARTE
Escritos sobre a Greve - 5º PARTE

3 comentários:

Anônimo disse...

O autor já viu "V de Vingança"?. Se não. Merecia ler. Depois que assisti o filme não parei de comparar o texto com o filme. Ambas leituras são parecidas em muitos pontos, principalmente no descompromisso da narrativa linear, clássica, de primar pela coerência, pelo equilíbrio, e clareza do raciocínio. Colagens. Colagens de eventos que ocorrem ao mesmo tempo. Num mundo em que tudo é tudo. E ao mesmo tempo. Posso ainda acrescentar o descompromisso com o raciocínio, com o método. O texto parece escrito, ou melhor, falado oralmente, de modo glauberiano, alucinado, afoito. Isso fica mais claro quando percebemos as orações longas, as poucas pontuações e a verborragia. A preocupação maior em discorrer a história, do que ponderá-la, voltar para si mesma. O vermelho. O vermelho também precisa ser discutido. O vermelho é ação. Cor citado em alguns momentos nesses "Escritos". Ação que incita. Que tem a marca de clamar por uma unidade, seja ela qual for. Unidade sinto sutilmente. Porém, não se sabe que pedido se quer mesmo fazer ao leitor. O leitor não sabe ainda qual a idéia é para ser aderida, mesmo sabendo o tempo todo que precisa aderir. E daí, enfim descubro, talvez, a genialidade dessa obra. Uma crítica a propagação de uma idéia. A formação de uma ideologia. O perigo de ser social. O perigoso caminho de deixar a sua pisiquê e virar meio. Ou será que é tudo já meio?

Anônimo disse...

Complementando. Nas entrelinhas um bom autor sempre escreve verdades. Em Fausto, Macbeth, ou numa letra de Chico buarque, toda boa obra margeia uma verdade. Aqui parece que o autor se nega a essa condição. Sabendo que o leitor espera sempre por uma dessas verdades salvacionistas pois necessita viver uma outra que não a sua o autor simplesmente dá a pista, mas nega. Nesse último, digamos, capítulo, de "Escritos", no final, brinca com a revelação. Mas claramente soa irônico, já que o próprio texto poderia caminhar para isso. A verdade da obra é protelada texto a texto. Mas é importante dizer que essa verdade não é um desfecho, uma solução, apenas, que conclui a saga, ou a história. Essas, talvez, banais. Me refiro a verdade aberta, insuficiente, que transcende e complica e embaraça o leitor. Essa verdade. Negada. Que é a verdade. Dita no texto.

Direi ainda que o autor pode também chamar atenção para a ruptura do pensamento messianico. De um homem que pode simplesmente salvar outros homens. Um homem acima dos demais, costumeiramente exposto na ficção humana pela impotência do homem comum vislumbrar a si próprio nas coisas - Projetar seu eu. No filme "V de Vingança" uma citação de Shakespeare pelo "herói" sutilmente deixa claro essa postura no roteiro. "Faço tudo que um homem faz. Visto que se não fizesse seria mais que ele". O herói pode ter vícios. O meu, pode ser o de ler coisas que existem apenas na minha leitura. Viva a literatura.

Isma.

Sócrates Santana disse...

O autor leu "V de Vingança". Sem dúvida, uma obra memorável. Primorosa. Talvez, juntamente com "Perfume: a história de um assassino", tenha sido uma das obras que mais impressionou o autor nos últimos tempos. "Escritos" realmente parece revelar algo inconsciente. O autor às vezes escrever críticas ferrenhas ao Imperialismo inglês e americano. Gostaria de exaltar a crítica. A cada dia vem demonstrando mais detalhes de uma boa argumentação. Bravo!