sexta-feira, 7 de novembro de 2008

SEMEADURA (da série Paravaniando)

Raiça Bomfim
Eu morria de matar aula pra espiar aquela cena:
minha irmã se espalhando sobre a terra,
desabotoada e fresca, quando a tarde caía.
No céu, não sei se todo mundo via, mas lá também
dormia um homem, coberto de azul.
Mal se punham frente a frente, libertados pelo sono,
que o orvalho escorria.
Os pássaros chegavam em minha irmã, beijavam
seus poros e abriam vôo com o bico farto
de seus vapores. Era daí que a quentura da mana
encontrava o refrescamento do moço, bem no centro,
na barriga do terra-céu... E explodia um toró.
Pouco tempo depois, as mesas estavam fartas
de cajus e bananas.
E as gentes se empanturravam, felizes, de amor.

Um comentário:

Anônimo disse...

"A poesia afirmava Shelley, é mais que uma demonstração de inventividade verbal ou um simples divertimento. De todas as formas de escrita, é a que tem o propósito mais sério, sendo profecia, lei e conhecimento. O progresso social só pode ser alcançado com uma sensibilidade ética" (Paul Johnson, Os intelectuais; p. 39). Influenciado por Shelley escrevi certa feita, que se um escritor não tiver a pretensão de ser deus, melhor somente pensar. Nesse texto de Raiça Bonfim, talvez, resuma qualquer digressão a respeito do que Shelley idealizava da poesia - uma resposta a todas as imperfeições físicas, sociais e morais da criatura humana; a possibilidade desta alcançar o inefável, a iluminação, um lugar sagrado quando nem a religião ou o racionalismo muitas vezes conseguia. O poeta, afirmava ele, era o verdadeiro legislador do mundo, pois conseguia chegar na beleza pura com sua máxima sensibilidade. O poeta seria aquele raro ser capaz de fazer avançar o progresso moral da civilização. Talvez, um exagero, se estivermos citiados no contexto atual, no qual a palavra é somente um ponto cego e incólume no qual indivíduos mal sabem diferenciar uma matéria qualquer do seu próprio pensamento. Entretanto, ficamos com os exemplos de Homero, Goethe, Camões e tantos outros que da palavra fizeram e fazem até hoje pilares para quaisquer construção moderna. Raiça Bonfim, sem dúvida, revive o famoso ensaio "Uma defesa da poesia" quando transmuta a banalidade da letra do século XIX em degraus para vôos sublimes de maneira que seu nome fica retido no imaginário contemporâneo como uma mulher capaz de levar consigo sua nobreza aos espíritos humanos.

obrigado sempre rai.

Ismael Teixeira