quinta-feira, 11 de outubro de 2007

O poeta e a moça

Ismael Teixeira

As ruas guardam as melhores cenas. A arte mendiga o cotidiano. O sonho esgueira-se no real. A tarde fria esquenta quando uma moça bem vestida passa. Discreta e bonita vai deixando a rua nua. Segura livros e revistas. Guarda a beleza nos óculos escuros. Ao dobrar a esquina um jovem boêmio pinta com seu violão pessoas apressadas. Algumas ficavam vermelhas, outras amarelas, muitas somente caladas. A beleza da mulher caminhou até o poeta. Sem diminuir o passo deixou cair alguns versos num chapéu amaçado. Para quem passava de longe os versos pareciam luzes de uma pena. Mas os que passavam de longe não souberam onde estava a incerteza. O poeta viria a beleza surgindo. Saberia quando e como nasce um encanto. Mas misteriosamente não deixou de interromper sua canção. Nem mesmo olhou para o chapéu. Os passos se confundiram com outros passos e a beleza se confundiu ao por-do-sol do litoral. Não notei mais o poeta. O som grave da noite. Seu silêncio em mi maior daquela tarde fria abrira o vagão do dia. Tudo retornava ao seu lugar. Para onde foi a moça? E o poeta? No dia seguinte tentei recuperar a cena. Não havia poeta, mulher nem beleza. Aquela poesia havia ido e ao meu lado apenas novas poesias. Voltei para casa com o coração partido, como se as peças não concordassem comigo. Em casa distraído imaginei como tudo teria desenrolado. No sonhar do acontecido. Ao chegar em casa a moça entre os livros teria versos alísios para tomar com brioches e chá. O poeta dois reais e vinte centavos para escrever poesias novas esquentando o café que esfriava o mate. Chá.

2 comentários:

Sócrates Santana disse...

Um breve comentário sobre o dia e as peripécias maravilhosas que um poeta pode fazer com as palavras, dando tintas aos acordes e sentido aos sorrisos avermelhados ou arrosados ou amerelos. Um texto que corre, corre bem, flui. E um dos principais objetivos de um texto é correr. Ele não traz as preocupações metódicas do autor, mas não deixa de levantar pontos importantes da vida cotidiana. A felicidade que reside nos detalhes, a beleza que exala das sutilezas e o encontro literário entre o poeta violeiro e a moça da esquina.

Anônimo disse...

gosto dos textos que correm, pulando aos nossos olhos como pequenas imagens formando um filme danado. Gosto também dos textos que caminham palmo a palmo. textos velhinhos que notam cada pedrinha no chão, cada nova mudança na cidade. cada um quer contar sua vida como pode. uns empinam pipas, outros assinam cheques em branco, outros simplesmente invadem sinais.

isma.