sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Viajens de Walter

Katherine Funke1

Duas palhetas, um cortador de unha, cinco camisetas, quatro bermudas, um chinelo. A mochila ia ganhando peso. Walter fazia a cabeça e a mala no ritmo de uma tartaruga.
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Antes de sair, tocou "Don't let me down" no violão. Era uma pena deixar o instrumento em casa, mas havia decidido levar apenas sua mochila. Quanto mais leve a bagagem, mais destinos possíveis haveria. E o violão estaria sempre à sua espera, em casa. Se houvesse volta.
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Ia saindo, já no portão, quando avistou Ricardo a chegar. Pensou em se desvencilhar do amigo, fingir pressa. "Mas é um bom amigo", pensou, "é um ótimo presságio". Ricardo mal sentou, acendeu um cigarro sem filtro e começou a chorar. Walter, por ser médico, era o único que poderia ajudá-lo.
4
Ricardo era hipocondríaco, tinha problemas não muito graves. Sua voz monótona cortava ecos fragmentados de "Don't let me down" nos tímpanos do amigo. O que se via nas retinas internas de Walter eram objetos que agora pareciam realmente intocáveis - o açaí da esquina, a passagem do avião, a mão da menina nova que conheceria um dia. Ricardo percebeu o silêncio do amigo. Não se zangou; levantou e saiu. Walter foi junto - e então começou a falar.
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"Não se preocupe com suas dores nas costas, você está sedentário e deprimido em conseqüência. É só se mexer um pouco e tudo melhora", Walter falava, a caminho do ponto de ônibus. Olhava para a frente, dava passos largos e sorria, por causa do ar fresco de chuva por vir. Ricardo andava com esforço. "É, pode ser isso mesmo", resmungou. Entraram no ônibus cheio, onde mal podiam conversar. Ricardo saltou antes. Em quinze minutos, Walter estava diante do balcão de uma agência de viagens. "Por favor, que vôos vão sair na próxima hora?", perguntou.
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Beagá, Floripa, Manaus e Rio", disse a moça. Walter perguntou os preços. Indeciso, tomou um café de quatro reais, fez contas em sua caderneta. Concluiu que aviões, aeroportos e táxis seriam caros demais. Se quisesse passar dias e dias fora, em diferentes lugares, teria que economizar. O susto não o entristeceu, ao contrário. Walter, em silêncio, agradeceu à vida pela oportunidade de fazer algo diferente, enfim. Desceu cantando até o ponto de ônibus, ultrapassou-o e caminhou ao longo da Estrada do Côco, parando vez ou outra para pedir carona, tal como tinha visto em filmes.

2 comentários:

Anônimo disse...

Aparentemente, as provocações foram boas. Na verdade, avaliações críticas, sem elogios, como destaca Jorge Luis Borges. Elogios não são críticas.

katherine funke disse...

Obrigada, Sócrates, por divulgar meu trabalho aqui no seu blog apesar de não nos conhecermos. Valeu mesmo. Ó, venha nos assistir no dia 15 na Feira Hype, no Icba, pra gente bater um papo. Final de tarde. E aos interessados nas Viagens de Walter, o endereço do meu blog é http://notasminimas.blogspot.com.