quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Fim do caminho

Renata Belmonte

Andava pela rua e a canção a acompanhava. Os outros transeuntes não pareciam ouvi-la, caminhavam em passos apressados. “É pau, é pedra, é o fim do caminho”. Seu destino ainda não era certo, não sabia se iria conseguir chegar. “Se tenho coragem de tomar banho pelando, imagina do que sou capaz”, pensou num tom de quem queria deixar claro de que estava segura de sua decisão.

Despejava sorrisos largos por cada metro por que passava. Nem sempre eram bem aceitos. Alguns a olhavam com a dureza de quem precisa de um tempo para aceitar o inesperado. As crianças gargalhavam, misturando suas crueldades infantis com curiosidade. A mendiga da esquina, esticou a boca repleta de dentes podres e piscou o olho.

“É promessa de vida em meu coração”. O mar nunca tinha estado tão azul. Parecia que o céu tinha lhe dado este presente. Não que ela fosse acreditar em suas próprias ilusões. Sabia que todos poderiam até saber, que aquele era o dia do seu aniversário e que era pisciana, mas a certeza de que não se importariam era maior. Ninguém tinha tempo a perder com bobagens astrológicas. Suas vidas tinham que ser uma sucessão imediata de fatos para que fizessem algum sentido. O ideal é que pouco se tenha tempo para pensar, pois é o pensamento que induz ao erro. É antinatural ficar racionalizando as coisas. Os bichos não perdem tempo com idéias tolas e vivem seus destinos pela intuição. Pouco erram. Vão aonde devem ir. “Só vou parar quando meus pés não mais agüentarem, ou quando chegar ao fim do caminho”, disse para si mesma, decidida.

Procurava, com cada passo, sua verdadeira libertação. A brisa soprava em seu rosto, levemente, enquanto seus cabelos misturavam-se incoerentes. Já sentia abandonados seus sentimentos antigos, já confortáveis. Por quilômetro percorrido, ia tornando-se uma santa. Seus pequenos detalhes sujos, como a mania de roer unhas e as mentiras que contava para a prima rica, tinham se tornado parte do passado. Estava tão limpa e pura quanto um bebê que acabou de nascer.

Tinha nos quadris, talvez por influência rítmica da canção, um movimento tão gracioso quanto os da Garota de Ipanema. Nunca tinha sido garota de nada. Viveu uma vida que foi arrumada contra ela. Até antes de sair de casa, tinha sido difícil para alguém guardar em mente seu nome. Era mais uma no meio de infinitos irmãos. Tentou evitar, durante toda a vida, que perguntas existenciais viessem à sua mente. Preferia não saber quem era, a ter a dor de mais uma decepção.

“É pau, é pedra”. Sempre amou aquele colar de pérolas que tinha no pescoço. Dizem que pérolas, quando não usadas, tornam-se envelhecidas. Suas pérolas eram a única coisa verdadeira que teve. Sempre lhe fizeram companhia. Não ficariam velhas, se dependesse dela. Logo, iriam juntas para o lugar de onde vieram.

Não mais se incomodava com os risinhos insolentes que percebeu durante o caminho. “É promessa de vida em meu coração”. Seu corpo completamente nu se arrepiou todinho de excitação. Estava perto de experimentar o começo de tudo. ”É o fim do caminho”. O fim para ela representava um novo começo, uma nova chance. Respirou fundo e pulou, do alto do morro, em direção às águas azuis de março, que fecharam sua vida e o verão.

6 comentários:

Anônimo disse...

Mais uma escritora que incita o suicídio. Um traço de uma parcela desta geração, irresponsável e cheia de mágoas por não viver no tempo da "DITACUJA".

Anônimo disse...

A escritora eu ñ conheço e o suicídio ñ é salvação para nada nem ninguém, mas senti que Fim do caminho incita o suicídio com uma leveza de renascimento e que o traço seguido escutou àquela mulher e o livre-arbítrio.

Anônimo disse...

Não posso negar a sutileza das palavras e a maneira concatenada que a autora escreve. Isso é realmente louvável. Mas não posso deixar de expressar a minha insatisfação de ler histórias e estórias irresponsáveis...sei que a arte é livre e muitos impulsos geniais surgem das entranhas mais profundas da criatividade, mas não gosto de alimentar essa literatura...mas não podemos evitar o debate. A Renata é uma grande escritora.

Anônimo disse...

Então concordamos com o valor da escritora e a insatisfação com o tema suicídio. Foi isso que salientei no comentário anterior. Foi você que publicou esse conto no blog?

Anônimo disse...

Ah! esqueci: vejo que hoje é o dia das publicações dos outros e susgestões de bons links! Ótimo! cinco no mesmo dia? tem mais? Quem os coloca? Enfim, quando der comento, enquanto isso, introduzam os comentários, ñ sou boa em tomar a primeira iniciativa.rsrs.abraços!

Anônimo disse...

a tautologia do texto me chamou atenção. o quanto que a autora justifica a não possibilidade de saída, de escolha do personagem. Na verdade, o uso repetitivo de seu fim, da não escapatória escapa uma necessidade de morte no qual transpassa o desejo da personagem. É como se a autora a quisesse matá-la e portanto o suicído não seja o fato literário, mas sim, o homicídio. No fim, com tanto fim em cada parágrafo, parece que não é a personagem que se mata, até porque não há no texto motivos para tanto, porém a própria autora que quase deixa rasgar por um rancor por alguém que ao menos tem nome.

Ismael.